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segunda-feira, 23 de março de 2009

Jael e Sísera

por Pudim (texto e imagem acima)

Abra seus olhos com calma.

O rio que pacientemente retocava o pálido cânion parecia estático, sem sequer a lendária marola para dá-lo sinais de vida. Não havia vento. Mas ele continuava tocantemente azul, e Jael continuava a olhá-lo do melhor ponto, onde não havia mirante, e aonde só ele não temia subir. Á exceção da marola, que ocasionalmente aparecia para saudá-lo, o rio nunca mudava. Ainda assim, e mesmo com as águas mais límpidas que muitos seres humanos já viram, o visitante não saciava sua sede de apreciar o discurso multicor do abismo da água que flui.

Não relute, por favor. Você consegue. Reconhece a minha voz?

A repetição rotineira do ritual já é suficientemente formidável para se tornar escrito, se é que isso faz algum sentido. Mas desta vez o espectador sedento estava sendo perturbado por alguma anormalidade que não notava, como uma coceira por dentro das costelas que faz um homem desejar que elas se abram e a fonte de todos os males se aparte do seu corpo. Gradativamente, cruamente, o fator atípico foi se revelando, molestando cada vez mais o observador.

Você tem tempo; vamos, descanse. Eu sei que você ainda se lembra...

Era uma voz aguda, infantil e graciosa. Vinha do platô oposto do penhasco. A melodia que insinuava por entre a sinfonia frenética dos pássaros o fez estremecer. Mais, o fez interromper o seu colóquio tradicional e descer até a margem baixa; tocar o rio.

Não, ainda não se perdeu. Acredite em mim, ela está aí. Está sentindo?

Atravessar a água que flui.

Apresse-se, todos querem vê-lo.
Quem quer ver-me? Quem quer verme?

Resistir aos apelos de seu corpo. Subir o lado inalcançável do cânion.

Não seja louco de tocá-lo. Não seja...
Quero meu corpo inteiro nele.
Louco.

Encontrá-la. Ela era tão aguda, infantil e graciosa quanto a voz. E dançava a própria música oscilando num balanço rústico preso a uma árvore.
“Olá, senhorita, qual é o seu nome?”
“Sísera, muito prazer.”
“Isso não é nome de homem?”
“E o seu?”
“Jael.”
“Isso é nome de mulher.”
“Faz sentido.”
Ela balançava cada vez mais alto, até enroscar as pernas em um galho maldoso atrás de seu brinquedo, e gritar rapidamente de susto.
“Está tudo bem? Deixe que eu te ajudo.”
No instante exato, as pernas se soltaram naturalmente, e Jael estava na posição certa, na borda do cânion. O balanço avançou com toda a energia e perigo, lançando o bondoso homem às profundezas.

Eu disse que ela chegaria.
Escreva-o por memória às futuras gerações.

Foto: Bruna Pimenta

3 comentários:

Tuma disse...

Muito bom cara. Tem um pouco de mistério e um monte de tristeza.

Anônimo disse...

Fiquei me perguntando quem seria "Ela" e gostei de como seu texto me respondeu! ;D

Jéssica M. Dalcol

Anônimo disse...

gostei da harmonia entre as palavras pudim! mto bom!!

Marcela