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quinta-feira, 23 de abril de 2009

Um encontro de dois tempos

por Pudim

Era quase Páscoa. Indiferente a isso, Eduardo Cícero evitava qualquer contato social que excedesse as singulares flores do canteirinho de seu tímido quintal. Estava profundamente convencido de que encontrava-se velho demais para agitação, e aquilo era aproveitar a velhice. Não era sem motivo. A vila de Tento, naquela época ainda aspirante a cidade, no máximo oferecia conversas limitadíssimas no único botequim - ainda assim, improvisado -, situado no mórbido centro. E, como típico inventor de obstáculos, o chamado Velho Duci recusava quaisquer sortes de interações com "sujeitos daquela estirpe".
Longe daquele retrocesso da civilização, na urbana e cosmopolita atividade da capital, três indivíduos (um deles incialmente estranho aos demais) estavam prestes a se tornar companheiros de viagem. Tenório e Cecília, recém-célebres no Condado de Stompes, eram os cabeças da caterva. Há tempos a nobreza fora gradativamente ignorada e eventualmente abolida, mas eles ainda eram conhecidos como Conde e Condessa. O terceiro ainda era um desconhecido.
Mais notavelmente, o Alguém se entretinha brincando com anagramas, fingindo-se inconsciente de que manipulava pela raiz o destino de nobres, velhos e desconhecidos pelo mundo. Ansiava pelo repouso que se aproximava. Isto em consideração, dispunha tão harmoniosamente quanto possível as peripécias de seus subordinados. Iniciava-se assim um colóquio noturno inusitado, convergindo inevitavelmente para "um encontro de dois tempos".

Nos tempos de Duci, o mentor

O velho pacato já fora um jovem pachola. Em tempos antigos, cria sinceramente em ser ele mesmo o Escolhido para alguma missão fora de seu conhecimento, mas que iria Mudar O Mundo. Convenientemente, isso foi ao mesmo tempo a causa e o consolo por vários amigos o abandonarem.
Atendo-se a esse sonho foi que descobriu algo, de fato, relevante e real. Aconteceu na biblioteca de sua faculdade, para ele o lugar habitual de seus passeios ociosos. Apropriadamente, encontrava-se descartado por acaso o "Diário de um Esquisito", com desenhos elaborados na capa, em uma das estantes. Ao primeiro vislumbre de seu rico conteúdo, Duci entendeu que aquele era o recado do Destino ao gênio reprimido. Resquícios de histórias quase de todo irrecuperáveis ou extraviadas, perpetuadas em forma de poesia naquele volume, o fizeram compreender que estava fadado a encontrar o produto de uma grande carreira de roubos séculos antes: um tesouro de mudar a História.
Não notando que o que segurava era, de verdade, um diário, o Escolhido começou a exteriorizar sua empolgação. O vexame por uma boa causa durou até o verdadeiro dono reclamar sua propriedade. Após caloroso litígio, Cícero concordou em retornar o seu achado.
A descoberta, no entanto, permaneceu em sua memória. E, por muitos anos, o fez entulhar documentos e possíveis desenvolvimentos para seus planos de ação sobre sua escrivaninha. Talvez por isso sua projeção elevada na carreira seja explicada; talvez por isso seja inexplicável. O fato é que Duci manteve-se lutando para que suas posses pudessem sustentar seus meios. Até o dia em que, subitamente, encontrou prazer na observação e análise de flores domésticas.

Sinto dor em dente, o cuspo em...

A estação estava apinhada; o trem, vazio. Não houve sequer funcionários prontos a carregarem suas malas para o devido compartimento. Fazia sentido: a Estação do Rancho era um destino muito inusitado e pouco requisitado. Cecília o notou e se deu conta de que sua aventura poderia erguer rumores.
"Sem pânico", Tenório a acalmou, "essas celebridades de jornal não duram uma semana. Ninguém mais deve ser capaz de reconhecer nossos rostos."
Tenório estava certo, teoricamente, embora ambos fossem donos de belos e marcantes frontispícios.
Eles não enxergavam o cobrador, que deduziam ser também o maquinista, e se perguntavam se deveriam pagar logo o bilhete. Então foram interrompidos. Um grito indistinto veio de algum ser próximo à plataforma de embarque. Após isso, o casal conseguiu lobrigar um objeto caindo, muito obliquamente, em algum canto escondido dentro do trem. A seguir, veio seu dono perseguindo-o.
"Meu dente! Eu derrubei meu dente de ouro! Onde foi parar? Vocês viram onde foi parar?"
"Não pude ver, foi por ali", respondeu o Conde, apontando algum canto escondido dentro do trem.
Ele e sua esposa não deram mais importância ao fato, até que o trem partiu. Nesse momento,Tenório olhou intrigado para o fundo do trem, que o desconhecido escrutava freneticamente. Este aguardou que o outro virasse sua face novamente à cabine do maquinista, e colocou de volta no bolso a moeda que tinha atirado ali, desejando que o tiro não tivesse sido perceptivelmente oblíquo. Então se levantou, e pôs-se a gritar:
"Pare o trem! Pare! Eu entrei por engano! Eu nem sei para onde esse trem vai!" pedido que, obviamente, não foi atendido. O casal tentou apaziguá-lo, oferecendo-o ajuda e informações. Ele optou por aceitar prontamente, já que era precisamente o que queria, e seu escândalo não estava sendo muito bem interpretado. Seguiram-se seis horas de um entediante e desconfortável sacolejo durante as quais o maquinista continuou sendo uma lenda. Apenas no final da jornada um balconista da própria Estação cobrou as passagens, e assim confirmou-se que aquele era um lugar insólito.
"Vocês têm lugar para ficar aqui?" o desconhecido perguntou, já sequer preocupando-se em soar desesperado.
"Temos", respondeu Tenório, farto de perguntas e notando que ganhara um execrável companheiro de viagem.
"Podem me mostrar onde é?"
O Conde aquiesceu.

Cem por um nos dois de Tento

Pouco do que aconteceu desde a chegada do trio metropolitano ao Rancho de Tento é passível de menção. Era tudo cochichos, boas-vindas, botequim lotado, perguntas e mais perguntas: reações óbvias ao choque entre a gota volátil de chuva e a lagoa perene acostumada à calmaria. Pois então, no quinto dia após a Páscoa, o desconhecido observava quadros de gosto duvidoso, geometricamente dispostos na parede próximo ao seu quarto de hóspede. Notava que no mesmo horário, noite após noite, habituou-se a fazê-lo. E, embora isso o impacientasse, continuava recusando entrar em seu quarto e dormir mais cedo ou se render às festas. Até que, nesse dia, Tenório, Cecília e o dono da hospedaria se trancaram sozinhos no recinto do último.
O hóspede solitário sequer pensou em tentar ouvir a conversa: já tinha o ouvido colado à porta antes que o fizesse. Só ouvia vozes masculinas.
"Cem por um."
"Nos dois?"
"Nos de Tento."

Um tiro no Conde de Stompes

Milhares de faíscas refulgentes a poucos sentímentros do hóspede inesperado. Após elas, A Condessa, em um redingote vermelho, repousa serena próximo a um lago remansoso. Tudo ao redor é tormenta. Ela se levanta para recebê-lo, mas o fosso caótico parece intransponível. A desordem que a cerca, ameias despovoadas que a resguardavam, tudo homogeneiza-se num torvelinho, que se condensa na figura bem vestida do Conde. Este ergue uma Wessel antiga, e sem pestanejar atira no visitante. Mas quem morre é o atirador. Por trás da ruína do Conde, a donzela de vestes rubras segura outra Wessel antiga, esta com fumaça se dissipando acima do cano. Não há mais guardas no arrebalde; a cidade é só deles.

Todos nós de pé: um cornetim

O dobre soou duas vezes na mesma semana; e a empolgação da cidade arrefeceu. Não pelo velho misterioso que desaparecia de suas vidas, ou pelo retirante carismático que cometeu suicídio enquanto ali pousava, mas por tudo isso acontecer justamente na agourenta semana seguinte à Páscoa. Sistematicamente a cada ano, nessa época, o velho Duci fazia ressoar em sua trompa francesa a marcha fúnebre em homenagem a algum velho habitante da cidade que falecia. Agora era a vez dele. A Condessa estava de preto; o Alguém fitava obliquamente seu chapéu de luto. Todos se aprumaram para a melodia lúgubre. Soou o cornetim do músico substituto.

Soou a campainha do trem que os levava de volta à turba.

Não há mais guardas no arrebalde; o tesouro é só deles.

Foto: Guilherme Carnaúba

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Anti-Humor [17]

por Rodrigo Faustini

Restaurante Conceitual

...eu sei que eu pedi pra ser amordaçado, mas eu também pedi que tal manobra fosse realizada com cetim, sua vaca velha.
É o início de outro mês e, portanto, lá vêm mais uma edição da minha semanal (não, não é com você querida, continua esfregando) resenha culinária. Para esta quinzena, fui convidado ao novo restaurante “Régugiter”, uma espécie de resposta psico-punk ao fast food, cujos chefs são, na verdade, artistas que estão sem outra fonte de renda. Muitos podem considerar tais ideais com qual o restaurante é gerenciado um tanto pretensiosos (afinal, o lema é “Com comida fazemos arte; já você, merda) e por isso, me senti compelido a me alimentar num restaurante de alta classe como caridade à Verdade, agindo como um mensageiro, porém com minha boca, mãos e palavras.
Cheguei lá para meu almoço de quarta-feira, aproveitando a promoção da “Dignidade”. Evitando os clichês, além de toda aquela breguice dos restaurantes temáticos, foi agradável notar que a escolha de decoração do espaço para o restaurante foi um simples vazio adimensional cor de marfim, o que, aliás, deve economizar uma fortuna em frivolidades como objetos, manutenção, matéria e imposto de renda para o dono (embora os custos de implementação e sustentação atmosférica devem triplicar).
Como já havia aguçado meu apetite com uma compulsão incessante por metanfetaminas, parti para minha sagrada glutonaria.

1º Prato: A garçonete vinha graciosamente em minha direção, e, profissionalismo à parte, devo admitir que ela era tão gostosa que faria Elton John dizer “Adeus à estrada dos Tijolos Amarelos” e voltar a ser “O mago do pinball” se você entende o quê eu quero dizer. Querendo mostrar que tinha feito minha pesquisa sobre o restaurante para impressioná-la, pedi um prato em aleatório, falando apenas seu número, como um profissional:
“Olá, mulher. Eu gostaria do nº 44, por favor.”
“Ok, um 44 saindo.
...Sem querer ser rude, mas você está com uma sujeirinha debaixo do nariz.”
“É uma pinta.”
“Ai, desculpa senhorzinho, desculpa mesmo.”
“Tudo bem, todo mundo sempre se confunde assim”
“Também, né...Então, você quer uma porção de ‘Frustração Sexual’. Algo para beber?”
“...
...Água.
...Gelada.”
O serviço foi tão bom que pareceu que havia recebido meu pedido exatamente logo após de requisitá-lo, embora a água gelada tivesse deixado algo a desejar.


palavradomal""""...........""Minha Frustração Sexual"
Como se pode notar, a composição do prato é bem engenhosa, deixando ao cliente a possibilidade de lidar com sua “Frustração Sexual” com apenas o uso de uma mão. O aperitivo se mostra perfeito para ser comido no sofá de madrugada ou até no trabalho. Um de seus defeitos é que, logo que sua presença foi notada, logo quis me livrar dele, com tal dedicação que fez com que algumas das mulheres presentes no restaurante ficassem me encarando. O consumo me deixou com um paladar restante amargurado e intenções de pescar em meu tempo de folga, considerar o uso de uma peruca, tingir a minha barba, reclamar do governo, me candidatar politicamente, e assistir à luta livre na tv paga.
2º Prato: Pouco tempo depois, a garçonete voltou com a 2ª entrada, “Cobiça reprimida”, o que foi curioso, pois não havia pedido nada, algo que fiz questão de notar em voz alta. Ela retrucou que não só eu havia feito isso, como havia importunado todos os outros garçons para que estes apressassem os cozinheiros. Eu neguei novamente, adicionando que ela sofria de distúrbios “desilusionais” e devia procurar suporte acadêmico, embora não me importasse mais se ela deixasse lá o prato, pois o erro já havia sido cometido e me estufar com todo aquela “Frustração Sexual” havia ironicamente me deixado louco para comer qualquer coisa que aparecesse a minha frente.
Enquanto degustava, recordei sobre quanto tempo havia passado desde que experimentara tal sensação. Minha vó sempre me fornecia novas levas de “Cobiça reprimida” sempre que ia visitá-la. Ela costumava usar vestidos de cetim. Foi então que me lembrei como eu odiava tal aperitivo, com toda sua crocância folhada, textura diversificada, fragrância suave, cremosidade fresca e maciez amanteigada características. Ela também usava meias finas de cetim que iam até a metade de suas coxas. Ora, eu teria deixado mais da metade sobrando, se não fosse um golpe da consciência que me fez pensar na abundância e nos menos afortunados, e por isso acabei por deglutir o resto, até fingindo um sorriso no rosto para os que observavam, finalizando tudo ao abrir um botão da calça e soltar um pequeno arroto de completo desgosto.
3º Prato: Agora era a hora de me fazer um agrado: busquei no menu a mais cara e mais chique especiaria da casa, que acabava por coincidir com o especial do mês, sob o título de “Disapointment”. O exótico nome, que para mim a mais ousada combinação de letras e sons que já vi na minha vida, já me fez salivar. Que divindades gustativas me esperavam? Oh, um dilúvio se iniciava em minha boca, com impaciente espera! A descrição continha todas as palavras que um homem bem agluteado poderia esperar: “gourmet”, “recozido”, “ao Sol”, “reserva”, “estoque pessoal”, “98%”, “instantaneamente”, “caucasiano”, “flambé”, “clandestino” e até “aborígene”!
Para falar a verdade, ainda estou esperando prato enquanto escrevo isso no meu laptop. Minha saliva já encheu novamente o meu copo e acabei de notar a excelente acústica do meu estômago.Oh! Oh! Oh! Oh! Oh! Oh! Oh! Oh! Oh! Oh! Oh! Oh! Será que é? Sim! Sim! Sim! Sim! Sim! Sim! Sim! Sim! Lá vêm minha porção de “Dissapointment” naquela travessa encoberta com uma tampa. Oh! Oh! Oh! Hora de gradativamente levantar essa tampa que esconde o pináculo da culinária chique e espiar a dádiva que me espera!


... ... ... ... ...Vão se foder todos, a língua inglesa, enzimas e o conceito de empolgação.
Qual o problema? Só porque eu vou ser amordaçado não quer dizer eu não quero me sentir confortável.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Sonata norturna [11]

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Depois do fim (11/10)


Por Pudim (e Tuma)
Foto: Tuma

Mas há ainda luz. O último suspiro do mundo, um estertor, um gorgolejo, encerrando três vidas na noite que passou, uma ainda mal começada, a contentora, talvez, da salvação do mundo. Mas há ainda há luz. A violência das criaturas pálidas, sua fúria percorrendo a Ilha da Madeira e todos os outros lugares ainda intocados pela palidez recrudescente. Mas ainda há luz. Em todo o mundo, novos infectados pelo mal desconhecido, juntando-se às hostes brancas e tomando parte na destruição. Mas ainda há luz. Sim, pois após a noite do fim do mundo, após o suspiro que acabou com ele, após a última sonata ser tocada e brutalmente interrompida, após a madrugada perder-se na escuridão, nasce novamente o sol. Sobre todas as criaturas, as pálidas e as vivas, ele lança sua luz. Todos os seres, sem exceção, erguem seus olhos, como que surpresos de que após tamanho mergulho nas trevas pudesse ascender novamente a chama sempiterna. Não, após o fim do mundo ainda há vida. Após o fim do mundo ainda há luz. Não se sabe quanto tempo as criaturas pálidas irão durar, em seu frenesi apocalíptico. Mas já se lembra, aquele que viveu antes do fim, de como elas se esvaíam, cedo ou tarde. Eles levantam os olhos, os seres da terra. O sol ilumina a todos. As marcas da destruição impedem que eles pensem ter se tratado de um pesadelo. Mas a terra fornecerá o suficiente, mais uma vez, para que seus filhos permaneçam em sua dança.

UM NOVO COMEÇO?
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domingo, 12 de abril de 2009

Anti-Humor [16]

nãoéumapiadaEvil Spock Warning: Módulos intensos de humor negro a seguir. Seja cauteloso na sua interpretação, pois seus preconceitos podem acabar por criar um crescimento infeccioso de barbicha ao redor da área propriamente demarcada no seu rosto.

por Rodrigo Faustini (ainda)
Guerras que Estão Prontas Para Acontecer

A temida e prevista (embora não na época mais conveniente) crise econômica está começando a mostrar seus dentes. O dólar aumenta, as bolsas começam sua histeria, o povo se amedronta, animais domésticos sucumbem ao tabagismo, crianças do futuro choram pelo presente tenebroso das crianças atuais que então serão seus depressivos e ausentes pais, sonhos em que eu sou o homem que engole fogo do Cirque Du Soleil, com um sorriso estampado no rosto, fazem-me questionar o quanto eu realmente amo minha família. Porém, uma esperança encontra-se no horizonte, como um trem à distância, vindo a nosso encontro em surpreendente antiquada velocidade, enquanto uma rara espécie de guaxinim tenta atravessar os trilhos, numa quarta-feira. Pois aquele trem somos nós, os trilhos são a linha do tempo, a quarta-feira é a Economia e o espécime de guaxinim à beira da morte aparentemente não representa nada. E os passageiros daquele trem são a nossa esperança para a melhoria dos tempos atuais: Guerra(s)!
Embora não seja o primeiro conceito que vêm a cabeça quando o assunto é prosperidade, é inegável o fato de que, junto de guerras, encontra-se o pináculo de desenvolvimento nesse período de tempo. Há muito do que se pode atribuir às guerras: celulares, satélites, joelhos, mentiras, traição, rigidez ideológica, armas, chicletes, proteção corporal, bolinhas de gude, próteses de joelho, expansão territorial, controle comercial, a palavra “invectiva”, franceses e comida enlatada.
Não deve se esquecer que o dinheiro é um recurso finito não renovável por nenhum motivo aparente, pois nós mesmos o inventemos, então a melhor casualidade das Guerras seria a melhoria da distribuição de renda, pois humanos são igualmente finitos e inversamente proporcionais à concentração do capital. Portanto, bata em seus tambores e berre o grito de guerra dos tempos modernos: Renda Per Decapita!
Seguem-se então dicas e previsões de conflitos que estão apenas esperando aquele ataquezinho terrorista implantado e conspirado para iniciarem:

I - Deficientes Físicos vs. Idosos vs. Gestantes: Esses segmentos da sociedade estão literalmente se espumando de raiva: quem consegue mais apoio do governo? Quem é atendido primeiro no caixa? Qual a porcentagem de vagas que merecem no estacionamento? Quem faz parte da instituição de apoio social mais “gangsta”?
Uma boa fatalidade de tal guerra será a dos “Falsos Piedosos”, que sofrerão derrame auricular ao tentarem escolher um lado ao mesmo tempo em que tentam ser politicamente corretos em tal decisão sobre por qual desses “infortúnios” derramarão lágrimas forçadas.
As gestantes, em termos de munição, estarão em desvantagem já que seus adversários possuem toda uma variedade de equipamentos sofisticados acoplados e também terão de lidar com obstáculos de locomoção e emoção e, muito mesmo como um personagem famoso, serão beneficiadas por uma alimentação baseada em espinafre, com todo seu ácido fólico. Já os idosos terão períodos mais limitados de ação, além de uma dificuldade geral em comunicação. Os deficientes físicos, portanto, se mostrarão os mais aptos para tal guerra, especialmente com a colaboração dos para-olímpicos. Mas tudo isso pode depender de como seus estrategistas reagirão ao solo escorregadio resultante das náuseas/ freqüência urinária/rompimento de bolsas das gestantes. A guerra também gerará um enorme número de segmentos de 8 minutos no Fantástico e reality shows na tv paga.
Os resultados gratificantes da inclusão social e revigoramento de apresentar uma função clara numa sociedade nos participantes, que normalmente os ignora, acabariam por dar uma característica otimista ao fim dessa guerra: divórcios, rejuvenescimento (mental), histórias de vô interessantes, atenção da mídia para causas dessas minorias, abortos, investimento e concessões governamentais para fim de conflitos, para citar alguns.

II- Mulheres vs Mulheres: Tal guerra, que historiadores passarão a chamar de “Sex in The City 2”, é provavelmente um dos conflitos mais aguardados desde de a comercialização do fio-dental (o outro, se você é mulher; exatamente esse que você estava imaginando, se você é MACHO), que, coincidentemente, pode ser apontado como uma das bases desse conflito, além de ser sua “estrela de Davi”.
Os grupos de combate se dividirão baseados em fatores como preferência de homens e cosméticos, posição política quanto à mulher na sociedade contemporânea; posse (ou não) de filhos; filmes com Matthew McConaughey assistidos; livros de Clarice Lispector lidos; fatos sobre Rosa Parks, Marie Curie e Margaret Tatcher conhecidos e escolha de biquíni. Mais ira e revolta surgirá quando for percebido que todas as divisões que esses fatores conjugarão serão iguais a cor e tipo de cabelo nessas mulheres, além de quão sedoso esse é.
-Vencedores: Homens fetichistas (“homens”). Essa guerra também dará nascimento a toda uma sorte de reality shows, mas esses serão transmitidos em outro tipo de canal e num horário mais tardio.

III - Minorias vs Opressores: Entrará para a História como a pior estratégia militar posta em prática já concebida.

IV - Humanos vs Objetos Inanimados: Já está em tempo da raça humana notar o número de fatalidades causadas por estes vis estáticos. Todo ano balas, pára-brisas, porretes, facas, cacos de vidro, drogas, chãos, candelabros, tijolos, cordas em nó, pedras e outros pervertidamente perversos imóveis aniquilam humanos de forma inconseqüente, inconsciente, incontinente, incoveniente, inconfidente, incongruente e inconsistente. Não é de se admirar, portanto, que um movimento de revanche se erga. Recrutamento para o combate, porém, pode se demonstrar complicado, pois qualquer fatalidade será, logicamente, parte do exército inimigo e terá sua forma corpórea destruída e seu legado manchado. O conflito colocará em questão a imotolidade num aspecto com qual este nunca foi analisado antes: se tudo é formado por átomos e estes contêm as partículas perpetuamente em moção denominadas elétrons, quem ou o quê realmente está parado e em relação a o quê (para que possamos destruí-lo)? Podemos apenas esperar que as coisas não saiam do controle de novo e a ONU acabe por ter de criar um Estado para essas moléculas que ultrapasse o sólido.

IV - Suicidas vs Masoquistas: Já se discutiu que as guerras são uma fonte infinita de manutenção do capitalismo e, portanto, o que seria mais rentável que uma guerra perpétua? Pense nisso, a máquina da violência estaria num ciclo vicioso de combatentes: por teoria, ambos os lados estariam oferecendo sua alma ou ao menos seu corpo para o conflito, sendo os soldados mais dedicados; a violência exacerbante iria gerar uma onda de sadomasoquismo o que levaria um baby boom como nenhum antes visto e justo quando o número de combatentes vivos estivesse em declínio devido ao sucesso de uma parte e o exagero na outra, tais sementes os substituiriam, pois ou virariam masoquistas como seus pais, por serem seres extremamente suscetíveis à persuasão e cercados por tal prática, ou tornar-se-iam suicidas devido a terrível paternidade a qual foram sujeitos, em saudáveis e afortunada proporção de aproximadamente 1:1, mantendo o conflito em pé até a aniquilação da, finalmente capitalmente próspera, raça humana.

V- Guerras vs. Suécia: Decisão de permanecer Neutra durante a 2ª Guerra mundial? Sério?!? Vamos ver quanto "neutros" eles tentarão se manter depois de soltarmos ácido em pó sobre Zurique e fazer todos aqueles Prêmios Nobel da paz parecerem chocolate Nestlé. Chorem no berrante o quanto quiserem, João calvino não irá voltar para salvá-los. Por sinal, vocês não vêem nada de hipócrita no fato de seu lema ser "um por todos e todos por um"?

sábado, 11 de abril de 2009

Sonata norturna [10]

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Sonata (10/10)


Por Pudim (e Tuma)
Foto: Google

1. Ela não sabia, mas em seu ventre estava a salvação da humanidade. Marcela não sabia, mas em seu ventre estava. Não sabia, mas em. Ela não. A Salvação. Marcela não sabia, ainda, pois não havia sido avisada, mas em seu ventre estava a salvação da humanidade. Passeando pelas ruas de Funchal, desligava-se do barulho de seus passos e do murmúrio dos muitos que caminhavam e conversavam cruzando as esquinas, fugindo do calor das casas e abraçando, desesperados, o ar fresco que o mar, indolente, soprava sem pressa. Ela lembrava a noite, quase nove meses atrás, em que seu futuro filhotinho se materializara. Marcela lembrava. Lembrava da noite e de cada outro dia, nove meses vezes os seus dias, em que caminhara pela rua para fugir do calor e encontrar, quem sabe, seu amante perdido. O amante perdido perdido no mar, marinheiro constante, intermitentemente presente junto a ela e ao filho deles, pequeno milagre ocasional, surgido no ventre da moça após um gesto de prazer comum, rápido, como todos os outros haviam sido.

Mas por ali, longe dela, longe de Marcela e seu filho-salvação, chegava à praia a figura espectral de Nikole, seus pulmões ardendo, os cabelos colados ao rosto, suas roupas em farrapos, cambaleando e afundando os pés na areia molhada e fofa. E seus olhos, injetados de água salgada, do mar ou de lágrimas, enrubesciam violentamente, e giravam, cruzando suas miras no ar, buscando o foco do que havia logo a um palmo, ou muitos metros seguindo em frente. Cedeu enfim, o corpo, deixando-se cair na areia e ser tocado pelas ondinhas que avançavam terra adentro. O contato com o chão, com o sólido, logo despertou nele uma sensação de pertencimento, uma lembrança, um arrepio familiar. Mas, junto com o reconhecimento, o arrepio trouxe o delírio. Nikole viu sete figuras reunidas em volta do mundo, e o mundo queimava. As chamas, porém, eram sem brilho, e só faziam afundar seu combustível na escuridão. Ao redor do mundo, no entanto, algo reluzia, e era um ventre. Ao lado de Nikole, a figura pôs as mãos sobre a barriga, e a barriga explodiu em luz, iluminando o planetinha e tirando-o das trevas. Surpresa, Nikole olhou para o rosto da figura, e a figura era uma mulher. Uma mulher grávida.

- Você está bem? – Marcela tentava, desajeitadamente, ajudar Nikole. Em seu transe, a náufraga saíra da praia e começara a andar pelas ruas da cidade, balbuciando, até encontrar, de olhos fechados, a mulher que via dentro de suas pálpebras.

- Sim! – exclamou Nikole, acordando de repente. – E você? Você está tudo bem? Está tudo bem com você...?

- Está, está sim. Mas de onde você veio? Está toda molhada... – disse Marcela, um pouco assustada.

- Eu, eu vim nadando até a praia, estava em um barco, mas as pessoas enlouqueceram e... meu Deus, eu não vou chorar. Você não viu, não sabe o que está acontecendo no mundo?

- Você fala do vírus?

- É, isso, as pessoas tomam a vacina e, meu Deus, elas enlouquecem, entende o que eu digo?

- Entendo, sim, mas por favor, acalme-se...

- Acalme-se, sim, eu não poderia estar mais calma, eu nunca estive tão calma na minha vida, meu Deus, eu consegui, você é a Salvação! – Nikole segurou o braço de Marcela, com delicadeza.
– A salvação de todos nós...

- O que você está dizendo, eu sou a salvação de quem, por quê?

- Porque... eu vi, sim, eu tive uma visão. O mundo estava mergulhado nas trevas, mas uma mulher dava à luz uma grande luz, e essa luz iluminava o mundo. E a mulher... a mulher tinha o seu rosto, a mulher era você!

- Mas como, eu não entendo, o que você está dizendo...
Nikole a interrompeu, soltando o braço de Marcela e jogando-se de joelhos na frente dela, abrindo os braços para implorar e depois juntando as mãos num gesto de súplica e oração. Seus olhos vermelhos se encheram de lágrimas.

- Por favor, só peço que acredite em mim. Eu não sei como isso aconteceu, nem porque, mas eu sei que a salvação da humanidade está em você, e você precisa vir comigo. – Marcela olhou a mulher ajoelhada, com dó, por alguns instantes, receosa de negar ou aceitar aquelas palavras. Como sempre fazia, deixou que o destino decidisse por ela, e fechou os olhos com uma respiração profunda, esperando alguma resposta do solo ou do vento. Sentiu uma pontada na barriga, um chute forte vindo de dentro, e entendeu. Com um sorriso suave, abriu os olhos e, agachando-se, tocou os braços de Nikole com a mãos, olhou-a nos olhos e perguntou:

- Ir com você para onde?

Surpresa, a outra mulher gaguejou por um instante.

- Ah... eu acho que, para as autoridades daqui, alguém que tenha poder para nos ajudar, seja qual for o tipo de ajuda de que precisamos.

- Está bem. Mas hoje só encontraremos alguma autoridade na casa de concertos. Haverá uma
apresentação de uma orquestra estrangeira aqui na ilha, e todas as pessoas importantes vão estar lá.

- Entendo. Pois bem, vamos até lá então, me leve com você, e eu também a levarei.

- Vamos então. Mas primeiro, qual o seu nome.

- Nikole. E o seu?

- Marcela.

Sorrindo, as duas se levantaram. Marcela foi na frente, conduzindo a outra mulher por alguns caminhos mais curtos. Ela se perguntava que espécie de loucura era aquela em que estava envolvida, e que tipo de salvação representaria. Temia que o filho dela estivesse envolvido, como a visão de Nikole dava a entender, e que isso pudesse representar algum perigo para ele. No entanto, não deixava que esses pensamentos a dominassem, e fazia força para confiar no auspício que o chute de seu nenê representara para sua decisão.

Nikole, ao seu lado, acalmava-se lentamente. Mal conseguia entender como chegara até ali, quanto mais o que estava acontecendo com ela e com a mulher que acompanhava. Mas a visão que tivera fora forte o suficiente, parecia ter brotado do fundo de sua alma, um aviso que caminhara pelos elos entre os espíritos e viera parar em sua mente, vindo talvez – assim ela esperava – das almas de seus filhos que haviam partido. Lembrando-se deles mais uma vez, não chorou porém. Pelo contrário, sorriu e olhou para o céu noturno, crente de que dentre as estrelas eles olhavam para ela, e sopravam-lhe, amorosos, conselhos que atravessavam o infinito.

Lado a lado, as duas mulheres pensavam nos próprios filhos, e rezavam em silêncio para que os filhos do presente tivessem um mundo onde viver.

2. O Capitão observa melancólico a ilha se aproximar. De todos que haviam embarcado em seu navio, poucos ainda estavam vivos, e destes, a grande maioria estava enlouquecida, se entregando a orgias entre si e com a comida e a bebida que ainda restavam. Sempre imaginara que fosse ser assim o fim do mundo, as pessoas se entregando aos seus instintos sem medo do que pudesse vir em retribuição, e um ou outro solitário vagando entre os corpos. Ele conseguira controlar parte da tripulação, e era com eles que contava para comandar o barco. Pergunta-se gravemente se é certo levar o navio até a ilha, ou se seria melhor deixar que ele encontre seu fim ali mesmo. No entanto, o seu arraigado senso de dever o compele a seguir o que lhe cabe, e por isso ajeita os comandos para terminar a jornada.

Em seu camarim, o Maestro também pensa em toda a loucura que tomou conta das coisas. Lembra-se de sua indiferença, pouco tempo atrás, quando declamava poesias e deixava que os outros se preocupassem com o fim do mundo. Agora, porém, as palavras de Eliot o assombram, ficam rodando em seu ouvido, dizendo-lhe como o mundo irá acabar. Obstinado, ele toma mais um gole de seu copo e promete a si mesmo que haverá muito estrondo essa noite, que não permitirá ao seu concerto apresentar nada menos que apoteótico.

O Médico tenta se convencer de que é necessário um pouco de distração. Já passa muito tempo recebendo as notícias do mundo, trabalhando em seu laboratório ao mesmo tempo que milhares de outros cientistas pelo mundo, tentando encontrar, nas anotações de Noah Davis e na história da ciência, algum indício que ajude a encontrar a cura para aquele mal que assolava já todos os continentes. Davis se suicidara há dois dias, o que deixou a todos sumamente chocados, e a este Médico especialmente com asco. Como ele pudera desertar da luta tão facilmente? Como pudera negar dessa maneira seu conhecimento e sua inteligência ao resto do mundo? Parecia-lhe patético. Mas, ele tinha certeza, não seria essa noite que chegaria o fim do mundo. Ele poderia tirar algumas horas para apreciar um pouco de música. Não poderia haver problema nenhum nisso.

Já a caminho da sala de concertos, o Líder reflete sobre a situação da ilha. Tem trabalhado incessantemente para impedir a doença de chegar a essas terras, mas há certas coisas que ela não pode contornar. Fechar ou não os portos? Ele não sabe. Há muitos cidadãos dessa terra fora dela, muitos marinheiros e trabalhadores. Deve impedir-lhes de voltar a ver suas casas? Será que a cura chegará a tempo para impedir esse problema? O Líder reza para que sim. Faz uma prece silenciosa, pedindo discernimento, pedindo tempo. Sim, ele reza e pede que o fim do mundo demore ainda a chegar, que ele tenha mais tempo para fazer o que ainda não fez até agora.

Juntas, elas caminham. Nikole vendo as ruas se esvaziando e enchendo num padrão que ela nota sutilmente, seguindo Marcela até onde poderão encontrar algum político, algum cientistas que tenha alguma noção de por que Marcela é importante. Às vezes, Nikole lança um olhar discreto para os lados, um olhar ansioso mas quase imperceptível. Ela não diz nada, mas sabe porque faz aquilo. Espera ver, de relance, ao seu lado, os filhos que perdeu. Já apagou se sua mente há tempos a imagem do fim de seu mundo, de seus filhos convertidos em monstros. Mas as figuras de seus rostos, se seus sorrisos, essas ainda persistem. Ela olha para Marcela, que decidida vai em frente, e sente um amor repentino por aquela moça, um desejo intenso, mas livre de qualquer malícia. Volta então os olhos, de repente, para os lados, crente de que vai pegar os filhos no meio de uma traquinagem, fazendo cócegas em sua mão ou escondendo-se sob sua saia. Mas não há ninguém ali.

E mais a frente, a Salvação medita. Toda a sua vida esteve na ilha, solitária e comum. Então, depois de engravidar, começou a ouvir notícias sobre coisas que aconteciam lá fora. Hoje, porém, o fim do mundo entrou em sua vida, tomou de assalto seus pensamentos. A criança em sua barriga é filha do futuro, ela tem certeza, é uma criança que dará à luz um mundo novo. Não entende como, isso é verdade. Mas os chutes que de tempos em tempos a criança desfere deixam-na cada vez mais decidida a seguir em frente, junto com a moça que apareceu para ela.
Longe dali, vindo do porto, o Assassino anda pelas sombras. Dentro de seu bolso, a mão encontra o metal frio da arma. Ele demorou para tomar a decisão, mas agora não quer mais voltar atrás. O Líder está indeciso, tomado de sentimentos humanos pelos monstros da vacina. Ele vai ajudá-lo a decidir-se. Substitui-se o Líder, e o próximo tomará as medidas certas para proteger a ilha, o Assassino espera. O homem que ele mais ama está no mar, longe, perdido para ele. E agora será assim para sempre. Ele suporta o impulso de chorar, e segue em frente. Seu dever é esse, sempre foi esse. E será cumprido.

3. Ela dançava na chuva, e a chuva se desfazia ao seu redor. Ela carregava em si um traço não nascido do amor. Pessoas passavam, não percebendo que o mundo ruía. Mas sobre suas cabeças eterna inclemente a chuva caía. A batuta bate na madeira, e se ergue, e dança. Ela rola no ar, e vira e revolta e salta, como uma criança. As bocas se preparam, as mãos se postam, e o espírito: contentes. Os instrumentos inspiram e afundam no deserto de sons: ausentes. Mãos trocam cumprimentos e palmas, a última sonata se aproxima, as primeiras notas irrompem, a batuta vibra, a arma se esconde no casaco, os olhos percorrem o cenário, as bocas descontraem-se de assombro, e lá fora, na chuva, ela ainda dança.

4. O palco já estava armado muito antes que os atores pudessem dar-se conta de seus papéis. No palco principal, desenrolar-se-á o clímax da noite: Ali, onde o maestro Bernard Daniel toca sua seleção de sonatas, encontram-se ilustres convidados, como o doutor José Henrique Pádua, médico e cientista renomado, o senhor Antero Diniz, representante do Estado português na Ilha da Madeira, e outros. Periféricos, a rodear a cena central e aproximando-se cada vez mais, há três grupos de atores. De um lado, esgotado física e emocionalmente, o capitão do Nocturnal Sonata vê o porto de Funchal se aproximar cada vez mais e teme por sua própria vida e pela dos habitantes da cidade. De outro lado, alegres e dançantes, Nikole e Marcela estão quase a alcançar a sala de concertos, crentes de que ali encontrarão a resposta para suas perguntas e por conseguinte a salvação do mundo. Finalmente, também se aproximando dali, o personagem mais misterioso, um assassino de nome desconhecido, um marinheiro vivendo em terra firme, desesperado de medo pelo que pode acontecer a si próprio, a um passo de matar o líder, o governador da Ilha, para que o próximo feche os portos e impeça o Mal de chegar até ali.

O destino de cada um já estava traçado, sem que fosse necessário sequer vivê-lo – quanto mais narrá-lo. O que aconteceu, aconteceu e sempre teria acontecido, não poderia não ter acontecido, sempre tomou lugar. A tragédia é visível e se anuncia com rapidez, muitas vezes antes mesmo de aparecer. Desnecessário dizer, mais uma vez, como o medo do homem o cega, como seu mero existir, mesmo com as melhores intenções, já é suficiente para que tudo dê errado e encontre seu fim precipitadamente. Palavrório. Dizê-lo é desnecessário. Basta presenciar, assistir novamente ao que mil vezes já foi visto, ao espetáculo da destruição, à Tragédia, aos fios que se enlaçam lentamente e encontram seu clímax num mesmo exato e precioso instante. Sim, leitor, você adivinhou o que aconteceria. Somente duas opções se colocavam à sua frente, à medida que a história se estreitava, e você sabia qual delas teria a maior chance de acontecer. Você sabia que mais uma vez o que estava sendo dito era “Como os humanos são, não?”, você sabia que era essa a verdade da desolação, a sombra que paira sobre nós desde o início até o fim dos tempos, concomitantemente, inescapável. Sim, você sabia já de antemão o que aconteceria, e agora basta presenciar:

Nikole, puxando Marcela pelo braço, invade a sala de concertos e corre em direção àquele que a outra disse ser o governador, o que poderia fazer algo com a Salvação. No porto, o Nocturnal Sonata acaba de parar, e na ponte o capitão dá seus últimos suspiros, enquanto todos aqueles seres pálidos, aqueles monstros, pulam na água e nadam pateticamente em direção à terra firme. Sentados lado a lado, o médico e o líder ouvem as notas belíssimas, aquela expressão indizível do gênio humano, e lamentam que tudo aquilo esteja fadado ao fim. De seu pedestal, o maestro rege, quase apaticamente, a orquestra, e sente suas forças o abandonando, sua esperança e sua motivação para conduzir aquela explosão de sentimento se esvaindo, evaporando pouco a pouco no ar rarefeito do mundo pálido. Também invasor, o assassino só não faz mais estrondo que as duas mulheres, que mais rápidas que ele jogam-se aos pés do líder, o espantam, chamam a atenção do maestro, interrompem a música, gritam ao médico, elevam as pessoas das cadeiras, assustam o outro invasor e recebem no peito as balas precocemente disparadas em direção ao homem a quem imploravam enquanto as últimas vibrações dos instrumentos silenciando-se apagam-se sepultando toda a esperança e toda a salvação e anunciando por fim a morte do Mundo e de todos os que nele vivem.

FIM
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domingo, 29 de março de 2009

As piores redaçãos do mundo, parte 1

por Pudim, Panda, Tuma e Rodrigo Faustini

A pior dissertação do mundo

Nos dias de hoje, eu estou achando que a gente vive em um tempo onde as pessoas não estão mais gostando das outras pessoas, prejudicando a sociedade. De modo que, a nível de amor, o Brasil precisa de amor porque amor é o que todos precisam. Isso porque no Brasil as pessoas podem estar vivas ou mortas, mas se estiverem vivas, estão sem amor, e se estiverem mortas, estão sem vida. Mas o que importa é que vivendo no Brasil, você pode gostar dele ou não.

Tudo depende do respectivo ponto de vista de cada um. Porque, na minha opinião, é fácil ajudar os outros. Você mesmo pode oferecer amor a alguém, é só ir até a esquina que tem alguém precisando de amor. Se todo mundo fizesse isso, a gente faria a diferença, pois água mole em pedra dura tanto bate até que fura.

Como diria um amigo meu: "Basta estar vivo para morrer", isso significa que devemos sempre amar os outros porque eles podem morrer. Agora!

Se eu fosse o Brasil, eu mudaria de nome, pois todo mundo na vida sabe no qual ser equidistante na existência de cada um de nós no todo que somos. É por isso que para cada vagabundo que não merece ter emprego, existe um índio sem árvore para morar. Nunca antes na história deste paísm 40% da população brasileira do continente faz parte de uma pesquisa, o que prova a liberdade que a tecnologia oferece para o homem atual desde 1940. Porém nem tudo são rosas, pois no gramado da vida há samambaias, lílios e alaústres. E o jardineiro está atasado para o trabalho e devemos deduzir isso de seu salário, que já é pequeno, pois ele não é nenhum "acadêmico", convenhamos.

Então no Brasil a diferença que eu acho que tem é que se você é uma flor viva está mal cuidada que nem uma coisa mal cuidada. Ontem por exemplo meu pai disse que eu estava ficando hominho e que era para ficar menas horas no banheiro. Isso mostra que os dois lados da moeda brasileira estão meio desgastos só que antes só do que mal acompanhado, é que nem a frase daquele Tio dos Estados Unidos acho, que teve no teatro aqui da escola outro dia, falando enquanto pegava aquela caveira muito louca que "Cê ou não Cê, essa questão", mas eu não entendi direito a frase porque eu não tenho idéia quem era o Cê que ele estava falando. Mas se você trabalha aqui deve ter visto, corretor(a), então você entendeu.

Assim, eu e você temos que nos conscientizar dos problemas do Brasil e juntos darmos as mãos uns aos outros entre nós e, olhando para a frente, caminhar passo a passo com os pés rumo ao futuro.

O Futuro não é igual ao passado, pois ele é incerto e ele não. Na verdade, o problema do Brasil é que o futuro está incerto, ms a gente acha que pode falar dele, acha que aqui é a casa da mãe Joana? Como disse meu pai, outro dia, para o mosso mosco mosço moço que conserta concerta conçerta conserta a TV: "Ripa na chulipa!" que eu acho que tem algo a ver com o negócio do jardineiro, mas ele errou na hora da "tulipa". Talvez isto seja uma crítica ao jardineiro.


Foto: Guilherme Carnaúba

segunda-feira, 23 de março de 2009

Jael e Sísera

por Pudim (texto e imagem acima)

Abra seus olhos com calma.

O rio que pacientemente retocava o pálido cânion parecia estático, sem sequer a lendária marola para dá-lo sinais de vida. Não havia vento. Mas ele continuava tocantemente azul, e Jael continuava a olhá-lo do melhor ponto, onde não havia mirante, e aonde só ele não temia subir. Á exceção da marola, que ocasionalmente aparecia para saudá-lo, o rio nunca mudava. Ainda assim, e mesmo com as águas mais límpidas que muitos seres humanos já viram, o visitante não saciava sua sede de apreciar o discurso multicor do abismo da água que flui.

Não relute, por favor. Você consegue. Reconhece a minha voz?

A repetição rotineira do ritual já é suficientemente formidável para se tornar escrito, se é que isso faz algum sentido. Mas desta vez o espectador sedento estava sendo perturbado por alguma anormalidade que não notava, como uma coceira por dentro das costelas que faz um homem desejar que elas se abram e a fonte de todos os males se aparte do seu corpo. Gradativamente, cruamente, o fator atípico foi se revelando, molestando cada vez mais o observador.

Você tem tempo; vamos, descanse. Eu sei que você ainda se lembra...

Era uma voz aguda, infantil e graciosa. Vinha do platô oposto do penhasco. A melodia que insinuava por entre a sinfonia frenética dos pássaros o fez estremecer. Mais, o fez interromper o seu colóquio tradicional e descer até a margem baixa; tocar o rio.

Não, ainda não se perdeu. Acredite em mim, ela está aí. Está sentindo?

Atravessar a água que flui.

Apresse-se, todos querem vê-lo.
Quem quer ver-me? Quem quer verme?

Resistir aos apelos de seu corpo. Subir o lado inalcançável do cânion.

Não seja louco de tocá-lo. Não seja...
Quero meu corpo inteiro nele.
Louco.

Encontrá-la. Ela era tão aguda, infantil e graciosa quanto a voz. E dançava a própria música oscilando num balanço rústico preso a uma árvore.
“Olá, senhorita, qual é o seu nome?”
“Sísera, muito prazer.”
“Isso não é nome de homem?”
“E o seu?”
“Jael.”
“Isso é nome de mulher.”
“Faz sentido.”
Ela balançava cada vez mais alto, até enroscar as pernas em um galho maldoso atrás de seu brinquedo, e gritar rapidamente de susto.
“Está tudo bem? Deixe que eu te ajudo.”
No instante exato, as pernas se soltaram naturalmente, e Jael estava na posição certa, na borda do cânion. O balanço avançou com toda a energia e perigo, lançando o bondoso homem às profundezas.

Eu disse que ela chegaria.
Escreva-o por memória às futuras gerações.

Foto: Bruna Pimenta

sábado, 7 de março de 2009

Anti-Humor [15]-Depressed & Skeptical Version. Don't say anything. Just leave me alone.

issonãoéumamsgsecreta Esse cavalo está mentindo
por Rodrigo Faustini


Coisas em Comum entre Grandes Nomes da História:

*Samuel L. Jackson e Charles Darwin já viajaram para a Alemanha por acidente;
*Ambos Alexander Bell e Stephen King eram apelidados, em seus tempos de escola, de “cabeção achatado”.
*Ambos Andy Warhol e Margaret Tatcher ligaram para um número aleatório com o propósito de fazer uma nova amizade, em algum ponto de suas vidas;
*François-Marie Arouet e Leonardo da Vinci achavam que Platão ficaria engraçado com um cavanhaque;
*Charles Dickens e Mohammed Ali nunca olhavam para os dois lados da rua antes de atravessá-la;
*Átila, O Huno e Wolfang Amadeus Mozart tinham medo de cavar buracos (embora isso tenha tido um impacto mínimo em suas vidas);
*Frida Kahlo e Kurt Cobain gostavam de dormir usando meias;
*Giovanni Boccaccio e Malcolm X, aos seus 22 anos, chegaram a considerar uma carreira na prostituição;
*Marie Skłodowska Curie e Júlio Prestes tinham pesadelos eróticos recorrentes envolvendo seres meio-humanos, meio-peixes (não do jeito que você imagina);
* Mahatma Gandhi e Dwight D. Eisenhower eram carecas por motivos de estética sexual;
*Yo-Yo Ma e John Wilkes Booth passaram um ano vivendo em comunidade com caranguejos, com o propósito de clarificar os hábitos desses animais ao grande público e de iluminação pessoal; *Oscar Wilde e Joseph Goebbells achavam que barbas eram uma infecção facial até o terceiro ano de suas puberdades;
*Leon Trotski e Monteiro Lobato cometeram o erro de achar que dar uma boa pancada com um galho era um método decente para se livrar de uma colméia de marimbondos instalada no teto da sacada de suas casas;
*Tom Cruise e George Harrison estupidamente conseguiram sair de um posto de gasolina sem ter que pagarem a conta ao fugirem a pé correndo.
*Nelson Mandela e Wladziu Valentino Liberace preferiam praticar a masturbação quando estavam sozinhos;
*Jean-Luc Godard e Emmanuel Kant passaram a brincar com uma freqüência um pouco menor com seus cães depois de notarem ligeiras tendências homossexuais nestes.
*Fernando Sabino e Marilyn Monroe chegaram a dizer “Ele pode ter apenas um testículo, mas, meu deus, ele sabe como usá-lo” em algum ponto de suas vidas.
* Montezuma e Hunther S. Thompson não usaram cuecas no funeral de seus avôs.

terça-feira, 3 de março de 2009

Anti-Humor [14]


por Rodrigo Faustini

Dramático, Engraçado

- Ser despedido, Isso é Dramático
-Ser Despedido Enquanto está Despido: Isso é Engraçado
- Sofrer Um Acidente: Isso é Dramático
-Sofrer Um Acidente Enquanto está Nu: Isso é Engraçado, mas principalmente pelo motivo de você ser gordo
-Contar Para Uma Criança que ela é adotada: isso é dramático
-Contar para uma criança que ela é adotada enquanto você está Nu: Isso é ainda mais dramático, seu bastardo (esse termo também não foi usado com intenções cômicas). Afinal o que você estava querendo insinuar? Você me enjoa. Por quê você me fez pensar naquilo?
- Dançar: Isso é Ambivalente, algumas tribos possuem funerais nos quais a dança demonstra a afeição pelo morto. Se você acabar fazendo isso ao invés disso, que acaba por ser um conjunto de gestos sem sentido com tradução próxima de “Queijo acabar com plantação. Grande número de companheiros sentar palavra significando desrespeito ao idoso companheiro”, então isso é engraçado.
-Tragédia Horrível: Isso é dramático -Piada inteligente e sagaz sobre Tragédia Horrível: Isso é Engraçado
-Disfunção Erétil (1ª pessoa): Isso é Dramático -Disfunção Erétil (3ª Pessoa): isso é Engraçado
- Economia (agora): isso é Dramático -Economia (daqui a 5 anos): isso é Engraçado
-Esquecer o Telefone de Casa (agora): isso é Engraçado -Esquecer o Telefone de Casa (daqui a 50 anos): Isso é Dramático
-Acertar alguém na cara com uma torta: isso é engraçado
-Acertar Alguém de Serra leoa na cara com uma torta: isso é dramático
-Matar uma Criança: Isso é Infanticídio -Voltar no Tempo na época de sua concepção, dormir com a sua mãe e depois matar a semente do crime: Isso é patrissuicinfanticídio com um toque de incesto, versão Edipal
-São três da matina, o telefone toca, você acorda, atende com uma voz doce, mas tudo que escuta é uma respiração ofegante e talvez um pouco de soluços de bravura: Esse sou eu, me aceite de volta, Vivian. Eu sei te diferenciar melhor numa multidão agora.
-Anunciar para a garota morena de olhos azuis em eterno flerte o motivo, relacionado a mim, para a sua compra de pomada anti-séptica: Isso não é engraçado, pai
-Morrer em nome do Tratamento Ético das Minorias Étnicas: Isso é Dramático -Morrer em nome do Tratamento Ético dos Homens Precocemente Calvos: isso é engraçado (e não só pelo fato de você ser careca) -Morrer pelo Tratamento Étnico Das Minorias Étnicas: Isso é engraçado (alguém deveria ter checado a digitação no cartaz)
- Pessoa Sem Mão: isso é trágico -Mágico sem uma mão tentando, sem sucesso, recrutar alguém da audiência para o seu truque da “Guilhotina Fantástica”: isso é tragicômico
-Ver um garoto de rua fumando crack através de um cachimbo improvisado com uma latinha usada de Yakult: isso é dramático
-Ter feito ele pagar 20 reais a mais por tudo, ao pintar a latinha de azul e dizer que é “tecnologia chinesa pra puxar unzinho”: Isso é engraçado
-Ter trocado um bumper do seu deck de Magic por um Swifter, dizendo que era um Goller: isso é engraçado
-Saber por quê aquilo é engraçado: isso é trágico
-Velhos agora: Engraçado -Velhos, daqui a algum tempo quando notarem o tamanho da camada social da qual participam e se juntarem numa Revolução em demanda de direitos: Ainda Engraçado (possivelmente mais)

aaaaaaaaaaaaaaaaaOs Motivos Principais: Mendigos
Quando nos deparamos com um mendigo na rua, é impossível não termos nossas mentes afogadas por uma enchente de perguntas e discussões internas sobre a atual situação das áreas urbanas*. Estamos apenas encorajando a vida dos pedintes ao dá-los o equivalente a um dedal cheio de moedas simplesmente por causa de sua situação precária e desumana? Como ele pode ter uma barba tão grande enquanto seu cabelo parece ter sido recentemente cortado? Sou eu ou ele deu “aquela olhadinha” para mim? Bem, ninguém está em posição de ignorar elogios...Poderia eu ser acusada de ser uma porca socialista que prega a redistribuição de capitais se eu lhe entregar esses 30 centavos que eu tenho sobrando na minha bolsa da Nike? Será que ele ficaria apresentável com um corte de barba e um gelzinho no cabelo? Ele certamente é melhor que o Cláudio do RH...Por quê aquela latinha tem um furo no meio? Será que eu consigo fazer ele dançar por uns trocados? Hmm, ele não está olhando para a sua caneca de moedas nesse exato momento...
De qualquer forma, embora todas essas perguntas sejam, de sua forma, relevantes e intrinsecamente simbólicas de seu psique, a questão mais freqüente é: Por Quê Eles Viraram mendigos?
Foi por isso que, para essa edição de “Os Motivos Principais”, fizemos um senso entre os mendigos da capital (ao menos aqueles que não ficaram balançando o “necrômio da justiça”, uma calota rústica amarrada num pedaço de pau barbárico, em nossa direção) para descobrirmos o motivo de levarem as suas evidentemente miseráveis e insignificantes vidas. Não se preocupem, o dinheiro arrecadado por esse relatório não irá para eles A maioria nem tem nomes inteligíveis mesmo.


-25%: Foram levados a esse “estilo” de “vida” por Desilusões Amorosas (e, literalmente segundos depois de usarem esse termo, perceberam que, no mínimo, isso provavelmente não os ajudou a resolver o problema);
-15%: pensavam que esta era uma legítima profissão no mercado de trabalho autônomo atual;
-10%: Foram severamente enganados por um plano “nota 10” de intercâmbio estudantil;
-35%: Acham que são o Michael Jackson (antes das cirurgias plásticas);
-3%: Acham que são Michael Jackson (depois da cirurgia plástica);
-4%: Eram agentes infiltrados do governo (nossos pêsames);
-12%: Estão fazendo isso devido ao controle da raça Nevasta/espíritos de alimentos passados/seu reflexo no espelho/aquela passagem da Bíblia que todo mundo esquece/um símio letrado/ versão infantil de si mesmo/da sua admitível loucura e, se desobedecerem, estão sujeitos a luxúria sarcástica/auto-antropofagismo com apenas 2 guarnições de molho (não opcionais)/perder sua sombra/ganhar um triciclo/ter que dividir uma banana enquanto escuta a bibliografia de T.S. Elliot/um dedão molhado na orelha/honestidade;
-29%: Não devolveram as nossas canetas;
-14%: Eram apenas pessoas mal vestidas com odor marcante e temperamento irritadiço;
-11%: Eram, na verdade, cães incrivelmente bem-sucedidos;
-2%: preferiam denominar-se “Andarilhos Sem-Teto”;
-31%: Contribuíram no roteiro de “Se Eu Fosse Você 2”;
-0,12%: realmente eram Daniel Filho;
-91%: Ficaram, com direito, ofendidos por tudo isso (o resto estava bêbado)
-4%: Costumavam a serem ricos;
-96%: Costumavam a serem pobres;
-4%: Não estavam conscientes do fato de estarem trabalhando no Subway como atendentes de caixa;
-2%: Deram ligeiras e sutis pistas de serem, na verdade, o ex-presidente Collor;


*a menos, é claro, que o indivíduo em questão não tenha sido o primeiro mendigo com o qual você se deparou no dia; nesse caso, os sutis sentimentos de raiva, indiferença, bicuriosidade, promiscuidade, espasmos renais e falência no hipotálamo são comuns.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Sonata noturna [9]

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Fúria (9/10)


Por Pudim (e Tuma)
Foto: Guilherme Carnaúba

No apartamento silencioso o maestro Bernard Daniel lia poemas proclamando-os a quebrar o silêncio em alta voz que se derramava e ressoava nas paredes criando assim um agradável ambiente de poesia rarefeita misturada ao ar frio do recinto. Sobre a mesa de centro vários livros se espalhavam Leaves of Grass Whitman tão poderoso e as obras completas de Emily Dickinson Robert Frost Yeats Auden Shelley e outros cujos nomes se haviam tornado menos célebres para a posteridade.

Lia com especial interesse poemas de dois livros. No primeiro se lia em grandes letras na capa o nome Macbeth sustentado abaixo pelas letras que indicavam sua autoria e no segundo o genérico título Poems era seguido por um pomposo T.S. Eliot escrito em letras brilhantes.

Se ao ter o primeiro em mãos lhe perguntassem que poema estava lendo ele objetaria e diria ser aquilo uma peça, com personagens e falas, mas uma linguagem tão mágica e idéias tão brilhantes que só o proclamá-los já os fazia ganhar vida. Quanto ao segundo, possuía instantes de estranheza, versos quase espasmos, frases insondáveis que escondendo um mistério irrevogável revelavam uma verdade intransigente. Seus gestos teatrais e voz grave encaixavam perfeitamente com os textos que lia e a solidão que o rodeava.

"Tomorrow and tomorrow and tomorrow,
Creeps in this petty pace from day to day

To the last syllable of recorded time,
And all our yesterdays have lighted fools

The way to dusty death. Out, out, brief candle!

Life's but a walking shadow, a poor player

That struts and frets his hour upon the stage
And then is heard no more: it is a tale

Told by an idiot, full of sound and fury,

Signifying nothing."


[“Amanhã e amanhã e amanhã,
Dia a dia se escoam de mansinho,
Até que chegue, enfim, a última sílaba do livro da memória.
Nossos ontens para os tolos deixam clara
A estrada da empoeirada morte. Fora! apaga-te,candeia transitória!
A vida é apenas uma sombra ambulante, um pobre cômico
Que se empavona e agita por uma hora no palco,
Sem que seja, após, ouvido: é uma história
Contada por um idiota, cheia de som e fúria,
Que nada significa.”]

E então pára, sem fôlego e sem reação para os pensamentos que lhe invadem a mente. Larga o livro e toma o outro, percorrendo suas páginas freneticamente, até encontrar algum indício que contemple sua angústia, as palavras que ele sempre persegue.

“This is the way the world ends

This is the way the world ends
This is the way the world ends
Not with a bang but a whimper.”

[“Assim o mundo termina,
Assim o mundo termina,
Assim o mundo termina.
Não com uma explosão, mas com um suspiro.”]

Após a leitura em êxtase, ele respira e descansa. Seu grande dia está chegando, a apresentação com a orquestra, sonatas de Mozart e Beethoven executadas com maestria para uma platéia ilustre. As notícias do Mal que assoma os que tomam a vacina da AIDS não o preocupam, aquilo não lhe diz respeito. Amanhã toma o avião, e logo estará em Funchal. Amanhã, amanhã, amanhã...

*** *** ***

Dia após dia, surgia um novo alguém tomado pela doença pálida no barco de Nikole, e seu medo de ser a próxima crescia à medida que diminuía o número de pessoas no barco e eles seguiam para o norte.

*** *** ***

Nos porões do Nocturnal Sonata, haviam surgido mais vários infectados. O capitão tentou intervir, mas logo desistiu. Pensava em chegar à Ilha da Madeira – a tripulação e os passageiros haviam recebido com alegria a notícia de que a vacina nem passara por lá antes do surto do Mal – desembarcar os passageiros e manter os outros em quarentena enquanto se comunicava com o governo, mas não deu tempo. Fazendo dois dias que estavam presos lá embaixo, os primeiros descorados surgiram, e atacaram violentamente os que estavam ao redor. Foram parados e mortos, e o capitão os atirou ao mar, mas no dia seguinte surgiram duas vezes mais infectados, e antes da noite todos ali já haviam se matado. A carnificina era horrível, e o capitão lacrou todas as entradas como medida de segurança, além de ficar ele próprio e alguns de seus imediatos isolados temporariamente do resto do navio.

*** *** ***

Leo passa os dias no laboratório, rezando para encontrar alguma esperança. O Mal ainda não o atacou, e isso só o enche mais de culpa. Provetas, ampolas, béqueres dançam de um lado para o outro em suas mãos, o microscópio é requisitado a todo o instante, mas seus experimentos só o levam a becos sem saída, a conclusões inúteis, fechadas em si mesmas.

Hoje mais uma vez ele se isola, e diletantemente retoma suas atividades, um pouco desajeitado. Acordou suando na cama, com dor de cabeça, mas nem cogitou ficar em casa. O laboratório é sua única casa, agora, sua única opção. Mas continuar sua pesquisa está exigindo muito de seu corpo. Seus braços estão doendo, a cabeça parece prestes a explodir, sua visão se turva por um estante, uma proveta escorrega de sua mão e se espatifa no chão, tudo a sua volta escurece e se torna negro...

*** *** ***

Aconteceu de repente. Pessoas caminhando nas ruas, preocupadas com seus afazeres diários, já esquecidas do Mal que a tal vacina da AIDS trouxe para o mundo. Até mesmo na África, dizem os noticiários, o surto de violência foi contido: agora uma investigação será feita, ela é necessária, mas não há pressa. Um dos que andam na rua é um detetive da polícia científica, ele esteve dois dias atrás em contato com corpos dos afetados pelo Mal, para tentar averiguar o que aconteceu com eles, mas agora sua mente passeia livremente sem se apegar a nenhuma preocupação. Quando ele pára no meio fio para atravessar a rua, as listras brancas da faixa de pedestres saltam brilhantes sobre seus olhos. Ele recua um passo, assustado, e subitamente sua cabeça começa a latejar com força. Dá mais um passo para trás e cai no chão, agora já gritando da dor que esmaga seu corpo por dentro. Sua pele começa a embranquecer, seu corpo começar a verter sangue como suor, de sua fraqueza surge sem explicação uma força, um impulso violento, uma fúria que o leva a atacar pessoas desesperadas ao seu redor.

Em todo o mundo, cenas semelhantes acontecem. Os que tiveram contato próximo com os infectados, os pálidos, de uma hora para a outra se tornam como eles, e o Mal se espalha, furioso, destruidor, inclemente, impossível de ser parado. A palidez e a violência, num átimo, se tornam piores do que jamais haviam sido, e avançam com as garras erguidas sobre a pobre humanidade.

*** *** ***

Enquanto acompanhava as terríveis imagens dos massacres e dos combates promovidos pelos pálidos, Noah engatilhou sua arma e a virou de frente para si, disposto a encará-la uma última vez. Com alguma dificuldade, suas mãos tremendo, ele aproximou o cano do revólver de sua boca, e o introduziu ali, o aço frio roçando em seus lábios. Fechou os olhos, apertou-os com força. Não queria ver o que seu gênio criara, não queria ver o que ele destruiria. Puxou o gatilho sem esforço, logo após respirar fundo, e seu fôlego se espalhou pelos ares. A bala encontrou sua espinha no meio do movimento dos pulmões, e os deixou impedidos, incompletos, um movimento que, pela única vez na vida de Noah, foi só de subida. Sem forças para enfrentar sua própria criação, ele recorreu a uma força maior que a sua, e suando frio saltou no abismo.

*** *** ***

Já não era possível diferenciar os vivos, os pálidos e os mortos no barco ensangüentado, e as consciências aninhadas nos corpos se desintegravam lentamente, num processo de fusão com o sangue e o horror. Nikole saltou no mar para fugir de seus agressores, já não sabia se os acusava de pálidos violentos ou vivos impiedosos, e começou a nadar, rápido, braçada após braçada, ofegando e tentando não deixar sua mente derivar e acabar afundando, de pesada. Mordendo a língua para pensar só na dor, ela nadou por muito tempo até encontrar a praia.

Longe dali, Leo gritou, um grito surdo que mais pareceu um pedido de socorro, ou de perdão. A escuridão voltou, e sumiu, e então voltou e sumiu de novo, e então cada vez mais rápido, no instante de uma expiração, para no fim desaparecer definitivamente e dar lugar ao branco final que tomou os olhos de Leo e o jogou para além da morte.
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Anti-Humor [13]

Dr. Sigmund Freud (sim, ele já escutou a piadinha do Fraud), visto em seus aparentemente eternos 59 anos, que não achou graça nenhuma no texto que se segue (embora, subconscientemente tenha dado uns sorrisinhos). Logo após o retrato, ele fez questão de apresentar o artista ao seu aparente fascínio reprimido por pênis abaixo-da-média circuncisados (como demonstrado pelo charuto)
por Rodrigo Faustini/Subconsciente de Rodrigo Faustini

issoestáescritoEntrevista com Meu Subconsciente
Antes de tudo, consciente (toma essa!) das perguntas geradas apenas pela leitura do título desse texto, esclareço: consegui essa façanha seguindo a praxe todo o processo que leva pessoas normais a escutarem vozes em suas cabeças*, ou seja, me mudei para um poço cavernoso (a preços inconcebíveis, devo adicionar) levando nada senão um tabuleiro de xadrez, talheres de luxo, um pacote de camisinhas, um porta-retrato com a foto de uma pessoa que eu não conheço (severamente abusada durante a minha estadia; desculpe), um hímen aromatizante, um espelho com “Red Rum” escrito em batom e um desenho feito a crayon de uma mulher da antiga União Soviética nua (para diversão). Como esperado, não mais que 56 meses depois eu escutava a voz de meu subconsciente, sem incluir as minhas recém-descobertas habilidades nos campos do crescimento gradativo de unhas e no piscar voluntário de pálpebras.Sem mais delongas, segue-se a entrevista:

Eu: Bem-vindo. Você gostaria de uma bebida ou algum outro refresco em específico?

SC: Não. Mas acho que você quer.

Eu: Não, claro que não. Eu estava sendo apenas cordial. Eu nem gosto de líquidos. Meu interior funciona através de um complicado sistema de trocas de gases. Nada de refrescos pra mim. [risos]

SC: Ok, ok. O que eu saberia disso afinal?

Eu: [saio para pegar uma Coca da geladeira] [volto] Isso é um pouco desconfortável. Eu...eu...

SC: Você tem um problema em demonstrar seus desejos em público. Quero dizer, nós.

Eu: Wow, como você sabia disso?

SC: Eu sou o seu subconsciente, seu lesado. Você não fez nenhuma pesquisa para essa entrevista, fez?

Eu: Bem, em minha defesa, nesse caso conhecer sobre você seria alcançável apenas por 14 anos de terapia, níveis budísticos de paz interior e um nirvana nível sete, só alcançado até hoje por Hasundi Hjanad, e ele só conseguiu isso pois ele sofre de um outro complexo psicológico que o faz pensar que é um rato, o que leva seus pensamentos subconscientes variarem numa escala simples apenas baseada em queijo e compulsão por sujeira.

SC: Você não consegue se comprometer a nada, não é? Sem contar as suas desculpas ridículas.

Eu: Eu não fico criando desculpas ridículas. As pessoas que não me entendem, pois eu possuo uma imaginação fértil.

SC: Na verdade, seu medo de comprometimento vem de um caso específico na sua infância em que você prometeu ao seu colega do parquinho Frederico que você iria brincar na casa dele mais tarde naquele dia, mas ao invés disso você preferiu ficar no seu quintal tentando fisgar o Sol com a vara de pesca do seu pai, o que levou Frederico a cometer suicídio ao pular do topo do escorregador após ferir (gradativamente) seu pescoço com uma arminha d’água.

Eu: [chorando bravamente; envolto de reminiscências] É tudo verdade! Pobre Frederico! Mas eu realmente achei que eu iria conseguir pescar o Sol aquele dia! Eu até coloquei uma alma Asteca no anzol como isca! Nós teríamos o que comer por séculos.

SC: E todo esse seu fascínio infantil pelo Sol e a conseqüente captura desse para a alimentação vinha de sua vontade interna, ou seja, minha, e, portanto nossa, de provar ao seu pai que você era capaz de pescar assim como ele, possivelmente até um pouco melhor. O quê nos leva também ao fato de que você realmente exagerava nas proporções dos talentos manuais do seu pai.

Eu: Por quê você não me disse isso antes? Isso poderia ter acabado com o meu medo do Universo e eu poderia ser um astronauta agora, como eu sempre quis! Sem contar que eu não precisaria mais usar óculos, pois eu nunca teria passado horas encarando o Sol para ver se ele desistia! E aquele Asteca deve ter passado por um inferno celestial burocrático depois que eu roubei a alma dele usando viagem temporal, dois Nostradamus e aquela erva que faz gatos agirem estranho.

SC: Você não entende, seu bosta! Se você estivesse conscientemente querendo impressionar seu pai, ele o incentivaria a tentar uma carreira espacial, a qual você seguiria, pois iria querer impressioná-lo. Mas, por causa da propriedade reversiva das vontades subconscientes (que Freud totalmente esqueceu de analisar, por sinal) isso significaria que, internamente, você queria mesmo era pescar o Sol, o que, cortando um bom pedaço de história, acabaria com você mudando a rota de uma nave da NASA para colisão solar, pedindo a todos para se prepararem para “o churrasco do século” o que se provaria morbidamente irônico em 2 anos-luz.

Eu: [olhos sorrateiros] Então existe um jeito de capturar o Sol... [pausa enorme] Então, parece que você, ou melhor, eu, e, portanto, nós, sabemos muito mais do que eu sobre nós mesmos. Têm como você me apresentar ao meu inconsciente?

SC: Nem, ele tá dormindo. Mas bem que a sua Síndrome de Suplicância e o seu Complexo de Inferioridade estão aqui e desejam te dizer umas coisas...

Síndrome de Suplicância
: Desculpa por tudo, cara. Não foi por querer, falando sério. Eu...eu...O que eu posso fazer pra te recompensar? Eu posso tentar convencer a sua Libido de parar de ter um relacionamento com o seu Ego, cara, eu posso sim. Eu juro. Só não me ponha na rua. Eu não poderia encarar ter que me desculpar pros meus filhos, pois eu perdi o meu trabalho e ter que me sentir compelido a recompensá-los de forma gratificante por isso cara. Eu faço qualquer coisa. Desculpa. Não fique arrependido...

Complexo de Inferioridade: Eu nem sei por quê você me escuta. Eu não sou nada, sem zoeira. Eu sou, tipo, uma fração de uma fração da sua mente. E nós nem somos tão espertos assim, admite. Acho que até a sua Auto-estima é mais importante que eu. Mas bem que ela é uma mentirosa compulsiva. Eu nunca ia conseguir namorar ela. Eu até poderia cortar o cabelo e escovar os dentes sabe, mas qual o propósito? Ela só se interessa em tipos esnobes que nem o seu Sarcasmo, Sociabilidade e Gentileza mesmo.

[A entrevista parou aqui, pois o meu senso de Ironia começou a passar mal. De qualquer forma, eu não irei mais tentar conversar com o meu Subconsciente, pois, aparentemente, ele é um babaca arrogante, e danem-se as implicações psicológicas e filosóficas dessa afirmação.]

*havia um considerável risco envolvido nisso, mas o pior que poderia acontecer seria de eu abar por virar um profeta, o que se demonstraria uma melhoria moral significativa, se consideradas minhas intenções originais, embora tal profissão apresente um alto índice de acidentes no trabalho e eu não tenha qualquer conhecimento sobre a política de Deus quanto ao pagamento de indenizações. Ele não inclui muito disso em seu livro.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Para ler com pressa.

Foto por Bruna Pimenta.


por Stefano Manzolli.

Uma lembrança.

Era uma pequena confraternização familiar.

Meu tio Sebastião corria de um lado para o outro com sua câmera nova - como uma criança que procura todas as formas de usar o seu novo brinquedo. Todos tinham suas histórias para contar e, em parte, os jovens só escutavam os mais velhos. Eu, por isso, permanecia calado e vagando... E as lembranças que as vozes revelavam pareciam maiores, grandes colossos que o tempo construiu na nossa história, na chama eterna da memória - dentro de cada um, no mesmo lugar em que adormece as esperanças para o futuro.

E foi na mágica da introspecção que me encontrei, verdadeiro. Ocorreu-me uma história antiga e linda que já tinha deixado, quase totalmente, ser levada com o tempo. Foi nesse momento que uma lágrima pendeu do meu rosto direto para o chão, onde permaneceu quieta e viva para sempre.

Um Monza vinho, os três primos no banco traseiro, nenhum com mais de sete anos, Sebastião dirigindo. Observávamos a cidade correr do lado de fora do veículo, a brisa intensa fazia cócegas em nossos rostos e balançava os cabelos. No céu, todas as cores, muita vida, um dia que terminava calmamente.

- Vou contar uma coisa para vocês... – meu tio, com uma paz tremenda na voz, parecia saber o mais legal de todos os segredos. - quando o dia está indo embora, vem anjos e derramam um monte de tinta no céu, até que elas escorrem, misturam-se e formam o azul bem escuro da noite. E quando a gente vai dormir, eles voltam para Terra e desenham os nossos sonhos.

- E os pesadelos, papai? - minha prima perguntou-lhe.

- Às vezes... acaba a tinta das canetinhas e os anjos não tem com o que desenhar, daí a gente sonha essas coisas ruins. Mas, em noites assim, eles acordam as crianças para irem dormir com seus pais e ficarem seguras de novo.

Mil cores no crepúsculo.

Todas refletidas nos nossos olhos úmidos.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Anti-Humor [12] Deluxe Version


por Rodrigo Faustini, Leandro Vasconcello, Mônica Fallonçio, Hemerson Glaúberson e mais duas outras subdivisões do seu cérebro esquizofrênico



Caçadores De Respostas para Perguntas Filosóficas Eternas

1-“Se uma árvore cai na floresta e ninguém está lá para escutar, que som ela faz?” Uma questão secular que complica há milênios a vida de monges tibetanos carecas (eles fingem que isso é uma escolha; sabemos que é causado por estresse), parece bem complicada de se responder por suas características retóricas intrínsecas, seja lá o quê isso seja. É por isso que resolvemos trazer um pouco da sabedoria ocidental tecnológica no processo: instalamos um intenso e avançado sistema de vigilância ao redor de uma floresta inteira (claro que tivemos permissão para tal; por sorte, após anos envolvidos no ambientalismo, os ativistas e guardas florestais desenvolveram um agudo caso de zoofilia, permutando a possibilidade com interesse).
Nossa primeira descoberta foi que árvores não costumam cair do nada, o quê, além de questionar as habilidades dos monges em conceber probabilidades e situações hipotéticas (muito comum quando o assunto são autoridades religiosas reclusas), acabou por nos conduzir a um obstáculo. Por sorte nossa racionalidade nos levou a instalação de várias baterias no subsolo da floresta que, quando acionadas, produziriam ondas eletromagnéticas de alta freqüência, o que causaria um potente terremoto no local (leitor, não se preocupe, tivemos um cuidado mínimo com o meio ambiente: aquela floresta era totalmente biodegradável).
Aparentemente foi apenas na décima quarta floresta que nos lembramos de no distanciarmos do local, o que necessitou uma completa reinstalação do material no local para conseguirmos manipulá-lo à distância. E agora temos tudo em vídeo, em cores e em alto e bom som: o som de uma árvore caindo numa floresta, quando não há ninguém lá para escutar, é idêntico ao som de uma árvore caindo na floresta quando há alguém (ou um grupo) lá para escutar. Desculpe-nos monges budistas, mas nós fomos mais sagazes que vocês!
De qualquer forma, a experiência não se mostrou um fracasso total: certamente o nosso empenho e os pequenos avanços que fizemos no campo de manipulação de desastres naturais certamente cairá bem para a mente dos estrategistas do exército por todo o mundo.

2- “Deus existe?” Um comum tema de redações de vestibular e também uma pergunta que persegue a mente do homem desde que Adão e Eva habitavam (e “habitavam”, se você pegou a idéia hur-hur) o planeta, parece, à primeira vista, incrivelmente complicada para uma mera mente humana ponderar sobre. Esquece-se, porém, de manter os nossos pensamentos sobre o assunto básicos: nossa solução foi dar a Deus (adeus hur-hur) um ultimato. Começamos por simplesmente seqüestrar uma criança e mantê-la refém em cativeiro por vários dias (não se preocupe, leitor: nós tínhamos outro lugar pra dormir na casa).
Como esperado a mídia começou a criar histeria como se tivéssemos roubado doce de uma criança, e a polícia começou uma intensa busca pelo território nacional, mas todos foram acalmados depois de declararmos nossas intenções dêiticas com o crime, embora, obviamente, não contamos isso para Deus e a criança. Era hora do passo 2 do plano, no qual rezamos o seguinte pedido de resgate: “Querido Deus, sou eu, Margaret. Como você vê, eu seqüestrei uma criança, que é um de seus filhos adorados. Se você quer ver ele de novo, e com isso quero dizer vivo, pois sei sobre toda aquela sua história de onisciência, queremos que nos dê um sinal de sua existência nos próximos dois dias”.
Nada aconteceu. Chegamos às conclusões de que ou Deus não existe ou ele não se importava muito com aquele moleque em específico, o que nos levou a seqüestrar outros quatro, algo difícil na época, pois, por algum motivo, nossos corpos começaram a fazer movimentos involuntários contínuos, e escutávamos vozes sem sentido que nos falavam de punição pós-vida e moralidade. A conclusão foi, após tudo isso, que infelizmente é incrivelmente sacrilegioso pesquisar sobre a existência concreta Dele, então paramos a pesquisa e um tornado de fogo destruiu o meu carro. Não queremos impor nenhuma barreira no credo de ninguém, mas gostaríamos de avisar: se você é daquela religião que acredita em Jesus, embora não em Deus, você está fazendo algo errado.

3- “Essa calça faz a minha bunda ficar grande?”
Como colocado elegantemente por Dr. Sir-Mix-A-Lot:


4- “Poderia a Vida não passar de um Sonho?” - Eu belisquei meu parceiro. Nada aconteceu. Caso provado.

5- “Qual o propósito do homem?”
- Criar robôs (sim, levamos mais de 10 mil anos para atingirmos nosso destino. Mas até que foi legal, exceto as guerras e aquela baboseira de Inquisição que fazemos de vez em quando). Pois esses sim têm um propósito digno, embora os japoneses estejam forçando a barra com esses novos Robôs de Busca de Cavidades. Tão cedo quanto eles descobrirem o estrago que eles podem fazer a si mesmos com um copo d’água estaremos perdidos. A outra resposta possível é que o Criador desgostou do Universo depois de um tempo, mas não queria deixar suas mãos sujas, e está nos usando como “laranjas” para acabar com tudo. Se for assim, ele deve estar bem contente.

6- “Qual o sentido da Vida?” A própria busca por este. Brincadeira, ninguém sabe. Mas não precisaria de uma direção primeiro? Ou vocês sabem de algo que eu não sei? Seus bastardos, tem alguma coisa a ver com comer gengibre, gostar do cheiro de incensos, ter lido “O Segredo” e gostado, achar que Samuel é um bom nome para um filho, fumar em espaços fechados usando óculos escuros e ter vários gatos, não é? Eu sabia que vocês eram diferentes de alguma forma. Eu só julguei como solidão e uma visão melancólica de masoquismo.

7- “Existe vida fora da Terra?” Sim, mas o custo do IPTU, IPVA, IPVOVNI e IPVEJMSUMT realmente não valem a pena. Além do mais, demora muito para aprender a se comunicar via secreções oculares.


Minha Primeira Relação Sexual
(como narrada pelo ponto de vista da minha camisinha)

...

...

...

...Seu filho da puta

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Sonata noturna [8]

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Noite (8/10)


Por Pudim (e Tuma)
Foto: Bruna Pimenta


A ganância ainda vai destruir o mundo, filho, disse o pai para o menino de olhos arregalados e nariz escorrendo sentado no assoalho frio da pequena casa que a família alugava do mais poderoso dono de terras da região. As galinhas corriam e cacarejavam de olhos arregalados ao redor dos dois o sol fustigava a poeira havia uma meia luz envolvendo tudo um calor que aderia à pele um cansaço de fim de tarde e fim de semana suportado pela suposta leveza de uma manhã de terça-feira.
Os homens querem todo o ganho para eles, e não sabem dividi-lo com os outros, o pai agarrando seus ombros olhando bem fundo em seus olhos, tentando achar ali algum resquício de malícia. O garoto permanecia quieto, sem piscar, olhos erguidos para o rosto enorme feito pedra daquele homem grande e firme que sempre chamara de pai.
Leonardo, você está me ouvindo? Sim ele estava. No carro ao volante girando e volvendo e revolvendo e entrando pelas ruas e singrando avenidas caóticas ele ouvia de novo e de novo as palavras do pai e não sabia se sentia-se bem ou mal por tudo o que fizera. Decidiu-se pela dúvida.
Dissera a Noah logo que este lhe contou que iria deixar as patentes para ele. Primeiro sentiu-se feliz mas logo depois os olhos do pai apareceram à sua frente e sua consciência estremeceu e ele percebeu que enorme chance era aquela de cumprir sua missão na terra. Iria abrir a patente, deixar que a vacina fosse produzida no mundo todo livremente, alcançar a todos os doentes livremente.
Agora imaginava se aquilo não havia destruído tudo. A patente aberta, alguém poderia ter incluído no processo um jeito de um incluir algum agente nocivo que não fosse perceptível. Mas seria mesmo? Noah afirmava que o mal estava na própria vacina, mas para Leo qualquer opção era terrível... o que contava a favor da tese do colega era que Leo, assim como as outras cobaias, não haviam desenvolvido ainda nenhum dos sintomas do Mal. Mas ele estava com medo, e ansioso.
Ele tentava noite após noite descobrir o que no que haviam criado poderia causar aquilo, ou que tipo de vírus, bactéria ou aberração poderia causar aquele efeito horrendo nas pessoas. Mas ele não encontrava. Noite após noite, Leo tentava e não chegava a lugar algum, e as palavras de seu pai, sempre as mesmas, continuavam a ressoar em seus ouvidos, um sussurro baixo e insuportável que parecia sugerir que o significado do que aquele velho lavrador dissera era muito diferente do que Leo sempre imaginara.

*** *** ***

Nikole se recolhera num canto do barco, os dedos ferindo-lhe as mãos de tanto apertar, os dentes tremendo e batendo, olhos olhando frenético para os lados, com medo de que alguém a tomasse por descorada sob a luz plácida da lua cheia.

*** *** ***

Noah recebera a visita de um agente do governo aquela tarde. Ele dissera que por enquanto a versão oficial era mesmo algum tipo de ato terrorista, as vacinações já haviam sido suspensas no mundo todo. Alguns governos estavam loucos para acusar o país de espalhar a vacina pelo mundo, mas ele não precisaria se preocupar, o mais importante era que ele descansasse e ficasse em segurança. Uma junta de pesquisadores já estava empenhada em monitorar os infectados e descobrir se havia outras maneiras do agente nocivo ser transmitido além na inoculação. Quando ele foi embora já era noite, e Noah ficou bebendo e rindo sozinho, pensando em como a opinião do governo, e do mundo, era a menor de suas preocupações.

*** *** ***

As festas no Nocturnal Sonata atravessavam madrugadas, e os passageiros remanescentes entregavam-se aos bacanais impetuosamente. Os que haviam tido mais contato com os infectados permaneciam isolados, mas só a tripulação se lembrava deles. Os outros passageiros festejavam noite e dia, enchendo os corpos de álcool e outras drogas psicotrópicas para apagar qualquer resquício, qualquer lembrança de que havia um mundo agonizante lá fora, e de que ele havia penetrado no paraíso deles, e de que eles o haviam purgado sem piedade, afundando-o à força na mortalha do mar.
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quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Sonata noturna [7]

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Profundezas (7/10)


Por Pudim (e Tuma)
Foto: Bruna Pimenta


Notícias da África chegavam a todo instante, os passageiros sabiam, mas pouco se preocupavam, para que ligar para o continente amaldiçoado? Já há tantos séculos eles estavam esmigalhados sob os pés de suas sinas que esse talvez fosse o último evento que restava para acabar de destruí-los e dar lugar a novos usos para a terra ora amaldiçoada por sua presença.
Ainda assim, eles precisavam saber. Havia alguém no navio que recebera a vacina ou...? Não, se afastaram das costas do continente, poderiam parar no Brasil para abastecer, lá haveria segurança. Assim como em todo o mundo civilizado. Sim, as nações do pôr-do-sol haveriam de conter esse horrível ato certamente terrorista perpetrado pela tal vacina maldita. O último suspiro numa dose e agulhada. Brasil estaria bem, abastecer, não muito mais, o navio é ótimo, o que era realmente importante... isso, continuar a viagem, atravessar o Atlântico, abastecer no Brasil, sair de lá bem rápido, passear pelo Caribe e, ai, aproveitar um esplêndido concerto em Funchal.
Mas ainda assim, eles queriam saber. Havia alguém no navio que recebera a vacina ou...?

*** *** ***

Noah tentava encarar seu fracasso como encarava o copo de bebida à sua frente. A imagem do vírus se espedaçando parecia-lhe curiosamente irônica agora, uma imagem definitiva do que ele trouxera para o mundo. Leo tentara convencê-lo de que houvera alguma modificação, de que alguém sabotara a vacinação, mas era inútil. Ele se lançara numa busca obsessiva para descobrir porque a vacina estava fazendo aquilo com as pessoas, transformando-as lentamente em bolhas quase sem vida, por vezes violentas, enquanto aqueles à sua volta fugiam horrorizados. Mas era inútil. Noah fracassara, e sabia disso. Agora teria de se explicar em frente ao mundo, quando viessem cobrar dele a culpa por aquilo tudo, quando viessem julgá-lo. Isso se ainda houvesse mundo após aquele surto de palidez e violência passar. Mas Noah não acreditava que fosse passar. Sua experiência lhe ensinara que a palidez e a violência eram como a entropia: recrudescentes, inexoráveis. E o fato de que ele trouxera ao mundo aquele juízo era mais insuportável que qualquer julgamento. Procurando dessa vez retirar de sua mente a culpa cada vez maior que ali se desenhava, olhou de novo para o copo, e o levantou com seus rodamoinhos, e deixou sua mente afundar ali completamente.

*** *** ***

Boris saía pouco de sua cabine, sempre sozinho, mas as passagens não eram para dois? Alguns passageiros que ele conhecera entre drinques no bar começaram a perguntar “Mas e sua mulher, está viajando com ela não?” “Ela não está se sentindo muito bem.” “Leve-a à enfermaria do navio.” “Acho melhor não, ela prefere tratamentos aos quais está acostumada, mais caseiros sabe? Coisa da mãe...” Rápido os conhecidos voltavam os olhos para o copo e bebiam de um só gole buscando tirar da cabeça as desconfianças que pareciam rodopiar cada vez mais fortes à frente de seus olhos.
E na cabine, Eva Norton, sua mulher, empalidecia pouco a pouco.

*** *** ***

Os pais de Érica, por sua vez, ficavam fora da cabine o tempo todo. Haviam arrastado a filha para aquela viagem, totalmente contra a vontade da voluntariosa menina, ainda chorando pela morte da amiga. Eles tinham medo. Quando alguém perguntava dela, desconversavam. Às vezes traziam-na para fora, para mostrar aos outros a filha branca e apática que tinham, toda coberta de badulaques que só faziam assomar ainda mais sua brancura, em contraste. As pessoas da piscina começaram a cochichar, os pais ficavam constrangidos pelo silêncio da menina, envergonhados de se mostrarem tão incapazes em público, e horrorizados de medo de alguém desconfiar que ela, a filhinha tão querida, poderia estar com aquela doença macabra, a doença que deixava tudo branco, transparente, até desaparecer.

*** *** ***

Nikole viu o transatlântico passar ao longe com seu binóculo e avisou ao resto das pessoas do barco. Alguns quiseram ver com os próprios olhos, a nu só enxergavam um borrão no horizonte, e o binóculo passou por várias mãos até escorregar entre braços que tentavam alcançá-lo impacientes e cair no mar. Agora o navio não era mais visível. A mulher se afastou da amurada e foi se encostar na parede da pequena cabine. O barco era de um tamanho médio, mas tornara-se minúsculo para todas aquelas pessoas. Um homem grande sentou ao lado de Nikole, e com ele uma mulher magra, três garotas e um casal de velhos. A mulher se apoiava no ombro do marido, como dormindo. Nikole, apertada pelo acúmulo de pessoas à sua volta, olhava aquela cena e se lembrava de seu marido, morto recentemente. E dos filhos, empalidecendo, se atacando e sangrando. Já superara em parte o choque inicial, mas os olhos e os dentes de suas crianças, a agulha lhes furando a pele, as mãozinhas se agarrando, a pele sendo rasgada... mordeu os lábios para não chorar, mas acabou derramando algumas lágrimas, que logo secou com o antebraço, não querendo chamar atenção.
Tornou a olhar para o casal de velhos, eles pareciam tão carinhosos um com o outro. E sol forte refletia na água e tornava tudo difuso, o toldo que cobria a maior parte do barco parecia gasoso, as pessoas andando pelo convés eram só sombras, o suor de todos que se espremiam evaporava rapidamente e espalhava um odor forte por todo o barco. Palavras ditas e gritadas se confundiam com o barulho das ondas, a languidez tomava os sentidos de assalto, a tristeza demolia as últimas tentativas de resistência, o horror ocupava os corações e mentes vazios... a sombra de um pássaro grande veio do céu e cobriu todos com seu olhar, esquadrinhou as cabeças mais inóspitas, os erros mais férteis, e fez ninhos atrás das orelhas de cada um, roçando de leve as peles com suas penas e fazendo cócegas...
Nikole despertou de seu transe e viu o homem grande que se sentara ao seu lado gritar com o casal se velhos, outros se juntaram a ele, uma das garotas apontou para as outras duas que se sentavam a seu lado, ouviu-se imprecações e acusações, pessoas que estavam sentadas se levantaram, pessoas que estavam deitadas permaneceram assim, braços se ergueram, homens mulheres e crianças descorantes clamaram por piedade de joelhos, as pessoas deitadas continuavam deitadas, quando na verdade estavam mortas, e assim todos foram agarrados e com barulho e ranger de dentes jogados ao mar e espancados com os remos.

*** *** ***

Eles iam descobrir mesmo, mais cedo ou mais tarde, disse o pai à mãe horrorizada. Eu não agüentei o olhar de desconfiança deles sobre mim, eu não agüentei me perdoe... palavras interrompidas por um sonoro tapa continuaram jorrando junto ao choro mas foram logo caladas pelo estrépito de passos e gritos que irromperam junto à cabine. A mulher tentava tirar a filha da inércia, inutilmente, e o pai continuava lamentando e chorando debilmente. Não demorou e a porta foi arrombada a mãe clamava por piedade mas a empurraram e ela caiu e desmaiou enquanto o marido observava tudo com os olhos arregalados.
Em várias cabines pelo navio, acontecia o mesmo. O primeiro caso confirmado de palidez gerou uma onda de histeria que acabou por formar vários grupos de patrulha a rondar pelos corredores e arrombar portas e revistar quartos e fazer interrogatórios para depois agarrar os contaminados e levá-los para fora. Alguns corados tentavam interceder a favor dos doentes, o comandante pensou em tentar conter o surto com armas, mas parte da tripulação se havia voltado contra os descorados. Sugeriram isolamento, quarentena, cárcere, abandono em botes, mas o desespero falava mais alto não podiam prescindir dos botes não podiam arriscar uma fuga não podiam arriscar a contaminação. O não-preocupar-se hipócrita dera lugar definitivamente à paranóia que se havia desenvolvido silenciosamente no interior das almas de todos.
Durante a noite os primeiros foram jogados ao mar, e nos dias seguintes muitos mais encontraram seu fim nas águas geladas.

*** *** ***

O mar, como sempre fizera, recebeu indiferente seus mortos, e cada corpo e consciência que quebrava sua superfície era engolido por um torvelinho e afundava até as profundezas.
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