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domingo, 30 de novembro de 2008

Anti-Humor [6]


por o mesmo cara de sempre k7
Se você está lendo isso você desnecessariamente grifa textos



------------------------Ditados (atualizados e malinterpretados)
“Deus ajuda quem cedo madruga. Se você é ateu, se você acordar mais cedo é provável que consiga trabalhar mais e que consiga manter um itinerário mais regulado e saudável para o seu corpo, o que poderá levar a melhores resultados”
“Cada chave têm sua fechadura. É claro que, sem preconceitos, uma régua pode juntar-se a outra régua para formar uma régua maior e mais eficiente. Mas elas ainda precisam da chave e da fechadura para ter acesso uma a outra”
“Não aceite doces de estranhos. Use seu spray de pimenta”
“Um passarinho na mão caga no seu joelho”
“Aquilo que sabe bem ou é pecado ou faz mal... Não vá para a escola”
“Toda vez que um celular toca, é porque há alguém do outro lado da linha. A menos que você esteja recebendo uma mensagem. Ou um torpedo, que é outro termo para mensagem. As crianças de hoje em dia também apelidaram a mensagem de ‘msg’. A possibilidade de que a bateria do celular esteja acabando também não pode ser desconsiderada, já que o toque é similar. Mas, na maioria das vezes, toda vez que um celular toca, é porque há alguém do outro lado da linha. Pode ser um trote, mas isso não nega a afirmação anterior, a menos que...”
“A Preguiça é a mãe de todos os Vícios. O pai ou é a Indecisão ou a Mentira, seu primo de 2º grau, mas nenhum reclamou paternidade até agora”
“Pessoas ruivas não merecem ter empregos”
“A galinha que canta como galo corta-lhe o gargalo. Mulheres não devem trabalhar”
“O dinheiro é um objeto (seja de um metal comum ou uma simples folha de papel com devida demarcação) ao qual é atribuído um certo valor aquisitivo, esse baseado numa certa quantidade de outro objeto que está escondido. Esse potencial pode ser trocado por comida/objetos e outros serviços. O uso desse sistema falha em progressão geométrica após 300 anos de uso.”
“A verdade gera o ódio. A mídia não gera o ódio”
“Antes silicone do que parentes. Antes dentes do que rimas”
“As cadelas apressadas parem cães tortos. ”- Discurso de José Granabom, Senador pró-aborto
“Burro velho não aprende línguas. Segregue os idosos”
“Cada um sabe onde lhe aperta o sapato. Como ninguém me usou como slogan até hoje?”
“De Espanha nem bom vento nem bom casamento. Segregue os espanhóis.”
“Amo muito tudo isso”
“De médico e louco, todo mundo têm um pouco. É ok praticar medicina se você estiver num sanatório”
“O segredo”
“Em Agosto toda a fruta tem gosto” (Droga! Por quê não existe um mês chamado Julherda?)
“Há remédio para tudo menos a morte” Sociedade:Oops...
“Julga o ladrão que todos o são, portanto ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão. Artigo 234º Proposta 3”
“Dez reais é muito caro para um BigMac”
“O trabalho dá saúde. O seguro morreu de velho e o desconfiado ainda está vivo. É por isso que seu pai não recebe Unimed da empresa”
“O que é barato sai caro. Não vou explicar como nem por quê”
“Com a verdade me enganas”

- E agora para seu desprazer intelectual, apresentamos o segmento: “Respostas de Dúvidas Sexuais de Adultos experientes por um garoto pervertido de 13 anos”:

Querida ‘Seção de Dúvidas Freqüentes’ da revista Terapia Sexual,

Eu e meu namorado, Guilherme Amoramos Cruz, estamos encontrando problemas na cama hoje em dia. Como somos homens, a posição mais freqüente aqui em casa é a do ‘cachorrinho’, mas com o preço atual dos lubrificantes acabamos por só conseguir pagar por sexo duas vezes por mês (devido à nossa renda) e muito do produto acaba sendo desperdiçado por entrar nas ‘fendas’. A pergunta é: existe algum método de lubrificação caseira eficiente? Por recomendação de um amigo, tentamos com mel, mas, por ser muito grudento, a melhor e mais discreta descrição da experiência seria igualar ela a ser depilado analmente por um pênis.

Atenciosamente, João Ferreira Fresno
Rua Truman Capote,2344
Jd. das Margaridas
Campinas
CEP 122334-567.4
Telefone: (001) 12334-67890
Celular: 3344-91R12-0

Resposta:
“Edição da Seção de Dúvidas Freqüentes da Revista terapia Sexual para João Ferreira Fresno,



Hahahahaha, q gay!

Atenciosamente,
Pedro “Sktr” Scollar

O blog gostaria de se desculpar pelo último post, pois este apresentou grandes desrespeitos à comunidade gay, os produtores de lubrificantes e o mel (e as respectivas abelhas que trabalham arduamente para produzi-lo e não merecem tal tratamento). Para reclamar, mande um e-mail para euacreditoqueesteemailehdvdd@gmail.com com o título: Vocês estão claramente utilizando de um recurso do Monty Python para fingir que o último post não foi tão ofensivo quanto parece.

-Semana que vem: “Dúvidas Religiosas Respondidas por Judas”, “Como Fabricar uma Bomba de Médio Porte com 6 Materiais Banais” e “As melhores clínicas de Aborto underground de Campinas”

^O blog também gostaria de avisar que no máximo receberá o próximo post de Rodrigo apenas como Evidência.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Então era para cá...

por "Alguém que rima 'vácuo' com 'inócuo'"

...que a Música vem para morrer.

ddddddddddddddddddddddddddddd***
dA anatomia de um violão pode ser observada, enquanto um mar de ritmos escorre, pintando o fundo negro de azul. Cordas, palhetas, cravelhas, estandartes, teclas e martelos, de nada prestam sem as mãos que lhe cumprem o destino. Apenas choram e regurgitam suas notas pelo nada, numa busca em vão por um tímpano que lhes dê sentido. Vêm aqui para morrer. Sabem o significado do blues.
dO garoto nem mais lembrava do olhar com que flertara aquela garota, cuja face nem mais lhe era palpável. Mas aquelas notas ainda existiam, perdidas pelo espaço, sem pauta a qual se agarrarem. Aquele repentino ataque cardíaco, enquanto dava fim à vida de sua hospedagem, criava notas e claves para ouvido algum. Agora morreriam também, junto das estrelas. Que tortura sofria a pestana! Seus berros movimentavam o ar que levava a canção do trompete aleijado. Aquela semifusa era uma marcha fúnebre. Pena que ninguém escutava àquela rapsódia de existência, Música da Vida. Até as notas da cigarra vinham a falecer. Já haviam cumprido seu destino.
ddddddddddddddddddddddddddddd***
ddddddddddddddddddddddddJunto das estrelas
dddddddddddddddddddddddddVem a morte
ddddddddddddddddddddddddPara esquecê-las
dddddddddddddddddddddUrsa Maior e Johnny Cash
ddddddddddddddddddddddTudo acaba num flash
ddddddddddddddddddddddddParece inócuo...
(O som não se propaga no vácuo)

Através do espelho obscuro, capítulo 30


Foto: Bruna Pimenta

por Tuma

Empurro o corpanzil do mendigo para longe e me levanto, mas ele começa a dançar em volta de mim, me rodeando com seus farrapos e falando sem parar coisas incompreensíveis. Consegue me arrastar de novo para perto da fonte, e finalmente descubro o que ele levava nas mãos. É um baralho, cartas de tarô. Tão típico. Ele as espalha sobre a borda da fonte e com gestos teatrais vomita sobre mim suas palavras.

- Tolo, ó Tolo, ó Louco e pequeno homenzinho sem vida! Vamos ver o que as cartas lhe reservam! Veja o que temos aqui, seu primeiro encontro é com O Mago, aquele que seria, portanto, eu! O segundo, vejamos, é com A Sacerdotisa, que pode ser muito bem aquele órfão riquinho afeminado, o que nos deixa com A Imperatriz, há!, eu diria que o pobre velho Ernest se encaixa muito bem nesse papel! – maldita gritaria, ele fica pulando ao meu redor e cuspindo suas palavras na minha cara – Os próximos, ah, que coincidência, O Imperador e O Papa, as duas mãos direitas do Poder, entrando encapotados, inspetores ponto e vírgula, totalmente perdidos em sua missão e seus mistérios! – ele se acalma um instante de seu delírio, e traz o rosto ainda mais perto, para sussurrar.

- Do presente, falaremos agora, querido, Os Enamorados, olhe ao redor quantos casais apaixonados, e eu e o velho gato aqui. O Carro, hm, é o veículo que o trouxe até aqui, e A Justiça é o seu destino, decidido na Roda da Fortuna e que será solto sobre você por mim, O Eremita, O Enforcado, O Diabo! HAHAHA. – como as pessoas da praça ainda não notaram o espetáculo do mendigo maldito? A todo instante tento me desvencilhar de seus movimentos, de seus apertos, de seus abraços, mas eu não posso. Ele é muito rápido, muito esperto, ele me rodeia e rodeia e rodeia. Finalmente, porém, ele pára.

- Mas não – a respiração ofegante, o rosto contorcido, a voz ainda histérica – não, meu Tolinho, não. Você não chegará até O Mundo, não! Você pode ser O Tolo, O Louco, mas não, você não terá jornada, você não vai até o fim, porque não existe fim. Sua vida é um ciclo, Tolo, a vida é um ciclo. A vida é um eterno repetir-se de tudo e todos até a exaustão! Você não vai percorrer caminho algum, porque não há caminho!, seu caminho está em ruínas, suas pernas estão cansadas, seus passos foram apagados e suas lembranças viraram pó!

Ele grita tão forte nos meus ouvidos, tão forte, eu quase caio na água, mas me levanto furioso, finalmente alguma reação, e agarro seus farrapos, e o levanto do chão, e envolvo seu pescoço em minhas mãos tentando estrangulá-lo.

- Morra maldito! – as palavras saem de minha boca sem que eu as tenha proferido. – Morra!

Mas só o que ele faz é rir, rir sarcástica, freneticamente, e segurar minhas mãos para que eu não aperte demais seu pescoço. Percebo que não entendo como cheguei a estar naquela posição, relaxo o aperto, e ele escorrega de minhas mãos, e volta a rir.

- É inútil, pobre Tolo, você não pode fazer nada. – ele limpa o sangue que escorre no canto de sua boca, ele ri seco – Você não pode fazer nada, não pode me tirar a vida, pois eu escondi meu coração no bico do filhote de um pássaro, no fihote, no ovo, dentro do pássaro, e esse pássaro só pousa na terra a cada cem anos! – ele respira de uma só vez, muito, longamente – E a última vez que ele pousou, sabe quando foi? Ontem! – e torna a rir, e meus ouvidos começam a zunir, e o mundo volta a girar.

- Olhe para mim, Tolo, veja o que você pode fazer comigo. – Ele segura em suas mãos uma carta, a de número treze, e enquanto ele a ergue posso ver escrito no papel manchado: A Morte. O mendigo desvairado rasga a carta diante de meus olhos, e pára de rir, e sua face é tomada por uma expressão séria. – A Morte não pode me pegar, Tolo, ela não pode, veja o que eu farei com ela se ela chegar perto...

Mas quase já não ouço mais, estou correndo para longe dali, de volta para casa, em tempo suficiente de abrir a porta e num estrondo cair no chão sem enxergar mais nada.
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O Palácio Vitral: XX - Epitáfio

por Pudim


Não foi difícil convencer os fujões de que era tudo parte do jogo. O organizador tinha tomado o cuidado de criar enigmas semelhantes e aplicá-los aos que não estavam entre os três times para esse fim. Aguardamos pacientemente que tudo terminasse. Como imaginávamos, nenhuma equipe conseguiu completar todos os desafios.
Os alunos deixaram o Palácio com comentários positivos e perguntando sobre a data de um próximo evento como aquele. Todas receberam respostas parecidas.
“Estamos vendo isso”, “talvez em breve”, “não esperávamos que fizesse tanto sucesso”, e demais variações.
O possível Segundo Desafio Brainstorm seria um dos assuntos da reunião na Biblioteca Lewis.
“Por que o Kevin?”, Anderson iniciou-a sem cerimônias.
“Havia quinze respostas possíveis. Ele só foi o primeiro a perceber que queríamos garantir a geração seguinte de pesquisadores – ou seja, herdeiros – do Palácio Vitral.”
“E isso lhe garante algum poder?”
“Inevitavelmente, Ivan.”
Continuaram discutindo por certo tempo, mas apenas Anderson prestava atenção. Todos os outros só pensavam nas oportunidades, nos planos e nas responsabilidades que teriam ali.

De fato, aproveitamos bem as responsabilidades, planos e oportunidades em muitos anos seguintes. Demos nossa contribuição; o Palácio voltou a ficar agitado. A segunda edição do jogo saiu em quatro anos, e selecionamos alguns novos participantes que se juntaram com disposição ao projeto.

Mas a humanidade foi capaz de enterrar permanentemente mais um de seus preciosos tesouros. Vinte e três outonos após a retomada de sua atividade, a construção colossal foi revirada, despedaçada e dispersa entre o pouco verde restante da floresta. O tornado inédito na região foi a manifestação natural contra o aquecimento intenso do ar da costa, provocando tesouras de vento nas áreas de vertentes. Não levou apenas vidro, pedra, aço e autótrofos. Só deixou vivos os dois que foram fazer as compras.
Ainda pudemos presenciar os momentos finais de vida do Palácio Vitral: era um gigante resignado se atirando ao chão. Mais, era a ruína de uma montanha, cujo peso estava concentrado nos papéis flutuantes, e não no alicerce imóvel.

Álvaro ainda tentou me convencer de que o Palácio poderia ser reconstruído; o plano seria revivido, em outro lugar, longe dos efeitos da mudança climática. Talvez, se não fosse levado pelo aneurisma em 17 de junho de 2019, ainda fundássemos algo parecido.

Nunca soube o motivo da cisão. Creio que Romeu Squalor planejava contá-lo no momento certo, sem se dar conta de quão rapidamente os segredos podem ser levados ao túmulo.

Foi isso a existência do Palácio Vitral. Deixo seu relato aqui, junto à sepultura do penúltimo sobrevivente; talvez pelo medo de que sua memória se perca tão subitamente quanto a vida de meus amigos. Ou talvez por mera formalidade, como documento histórico. Ou porque ainda esconde-se, em minha consciência, esperança ingênua de que alguém se interesse pelo sonho, e proponha-se a realizá-lo; afinal, foram as suas últimas palavras:
“Não deixe meu sonho morrer, Pudim.”

Ivan Anderson!? Não combina.

(Fim)




Foto: Bruna Pimenta

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Através do espelho obscuro, capítulo 29


Foto: Bruna Pimenta

por Tuma

Eu, mente vazia, e Nino voltando para casa. Mente Cheia. Não consigo me livrar do passado, nem me fixar nele. Sou um barco à deriva, um bote indefeso no meio da tempestade, sendo arremessado para o céu pelas ondas imensas. Passamos tranqüilos por ruas e vielas – que lugar agradável é Miranda, sinto como se a conhecesse -, e vemos pessoas de todo tipo – Será que não conheço? Não, não, alguém já teria se lembrado de mim – e toda idade.

À medida que chegamos perto de casa, o número de pessoas nas ruas diminui. Nino disse que é um bairro muito tranqüilo, muito calmo. Segundo ele, a praça em que fica sua casa foi nomeada em homenagem a um antepassado seu, Alonso Nápoles. Fico imaginando de onde eles tiram esses nomes, mas não digo nada pra não ofendê-lo.

Chegamos à praça e Nino diz para eu aproveitar o pôr-do-sol dali novamente. Ele corre para dentro de casa e me deixa sozinho. Fico observando as poucas pessoas que caminham ao redor da fonte. Reconheço um dos casais que fugiu de mim ontem. Agora me olham com curiosidade. Deixo minha atenção vagar e acabo encontrando um elemento destoante naquele aprazível quadro de fim de tarde.

É o mendigo – Kaspar Hauser o nome dele? – sentado na fonte, o gato ao seu lado, com alguma coisa nas mãos. Esse homem me dá medo. Não sei porque, mas sinto que desmaiei ontem por causa dele. Ainda assim, chego mais perto, ele também desperta em mim uma enorme curiosidade. Mas antes que eu posa me aproximar o suficiente para ver o que ele está fazendo, ele já tomou nota da minha presença e se levanta e se vira e me saúda com sua voz estridente.

- Ah!, o Tolo!

Finjo ignorar, e continuo me aproximando, embora com menos velocidade. Ele, por sua vez, quase corre em minha direção, e me agarra os ombros, e me arrasta, antes mesmo que eu esboce qualquer reação.

- Venha, pequeno cego das coisas do mundo, nós teremos uma conversa magnífica essa noite, não?

E me faz sentar, e fico sem reação, e ele dá tapinhas em minha cabeça, e bota aquela língua nojenta para fora, e a balança na minha cara, e a engole, e esbugalha os olhos, e chega bem perto do meu rosto com sua cara fedida e volta a falar.

- Ah, meu tolinho, você vai aprender algumas coisas hoje!

Um ódio repentino toma conta de mim, e sinto que poderia matá-lo.
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quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Através do espelho obscuro, capítulo 28


Foto: Guilherme Carnaúba

por Tuma

Infelizmente para ele, o despertar de sua nova vida não coincidiu com a morte da outra, aquela da qual não tinha mais lembranças. No dia seguinte, saiu de casa pela primeira vez, e foi passear com Nino na cidade. Conversavam como se conhecessem-se há muito tempo. Naturalmente, Ferdinando reaprendia os ritmos e tons do diálogo humano, as pequenas perguntas, os comentários triviais, e tudo aquilo que fazia de uma conversa algo tão familiar.

Ele conheceu um pouco de Miranda: as ruas largas e as estreitas, os bairros mais nobres e aqueles onde havia mais pobreza. Na rua dos armazéns, viu ao longe algo que chamou sua atenção. Três homens vestidos de macacões negros, bonés vermelhos e tênis de lona passavam carregando sacolas. Eles lhe lembravam algo, mas não soube precisar o quê. Perguntou a Nino sobre os homens, e ele lhe disse que eram empregados de Tito Heisenberg, o maior magnata da cidade, dono da Utilidades Heisenberg, uma empresa que produzia basicamente tudo que a cidade consumia, excetuando-se a comida e os itens de tecnologia.

Aqueles homens ficaram em sua cabeça o dia todo, um incômodo, e Ferdinando, embora tentasse negar, sabia o que eles eram. Os tipos estranhos que insistiam em surgir como vultos em suas frágeis novas lembranças eram nós de seu passado, fios soltos que de repente se enrolavam e entravam em curto-circuito em sua mente, produzindo aquelas ondas de mal-estar que por vezes sentia. Sim, embora tentasse negar, Ferdinando ainda estava profundamente ligado ao seu passado, e assim permaneceria, até que pudesse acertar as contas com ele.
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O Palácio Vitral: XIX - História

Foto: Guilherme Carnaúba

por Pudim

Ao terminar os relatos, o diretor suspirou lentamente, levantou-se, ofereceu água aos visitantes e esvaziou seu copo. Deu uns passos pela sala, fazendo perguntas sobre os alunos e o desafio. Depois, conduziu-nos pela biblioteca, mostrando volumes muito conhecidos e esboços promissores. Respondeu umas poucas dúvidas, e retomou a narrativa:
“Os dois amigos passaram muito tempo explorando o Palácio Vitral, e decidiram reviver o plano inicial dos mentores deste lugar. Convocaram várias excursões para aqui, alvejando principalmente crianças e adolescentes que pudessem se interessar pelo projeto do Palácio. A idéia deu certo, e por volta de 1920 já trabalhavam cinqüenta pessoas. Exímios artistas. Poucos eram os escritores, mas havia também músicos, desenhistas e pintores. Alguns até ousaram expor suas obras na Semana de 22, mas não foram muitos: a partir daí os líderes decidiram que seria melhor o Palácio manter-se em segredo.”
“Havia também jovens biólogos e botânicos, herança da paixão pela natureza de Beddome. Aliás, ele nem chegou a ver os anos de ouro do Palácio; escolheu passar seus últimos de vida na sua cidade natal, e morreu em 1911.”
“Foi o outro companheiro inglês o responsável pela ascensão exponencial da produção artística nas décadas seguintes. O filho de Albert Lewis, se ainda não souberem, chamava-se Clive Staples, ou C.S. Grande parte de sua biblioteca pessoal se encontra aqui. Além disso, o escritor, embora não tenha se envolvido muito profundamente com o Palácio, mandava cartas com certa freqüência, e discutia alguns textos produzidos por nós no The Inklings, junto com Tolkien, como devem ter descoberto.”
“Juntei-me a este reduto intelectual no seu apogeu. Contávamos com cerca de 250 internos, e recebíamos mais de quinhentos inspetores assíduos, em busca de material de pesquisas e aprendizado. Isso por volta de 1945.”
“De então surgem os dados dos documentos que vocês investigaram. Na primeira gravação, quem falava era M.S. A gravação foi editada, originalmente Master Sid dizia seu nome sem rodeios. Foi ele quem me convidou, bem mais diretamente do que eu os convidei. Ele escreveu o primeiro bilhete visto por vocês, e era o ‘Amigo’ do segundo.”
“Mas foi nesse período que nosso sonho começou a definhar. Com a intensificação dos conflitos na Segunda Guerra Mundial, o suporte estrangeiro se extinguiu. O Palácio teria condições de sobreviver ileso à guerra, não fosse a cisão.”
Assim que pronunciou a última palavra, Romeu manifestou seu ódio esmigalhando a taça de cristal; o punho fechou-se com força, o sangue na mão tensa evidenciou alguns cortes rasos.
Tivemos que segui-lo à enfermaria, onde rapidamente lavou as mãos e as cobriu com ataduras. Evitando o assunto, ainda conversou um pouco sobre os tempos em que dirigira nossas escolas, antes de lembrar preocupado: precisava dispensar os que fugiram pela Gemini.
“Vamos avisar os monitores.”

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Ma vie, en trois parties.

Foto por Bruna Pimenta.



por Stefano Manzolli.

La première partie:

Quando nasci, não veio um anjo torto decretar que eu estava predestinado a ser gauche na vida. Veio, no entanto, uma enfermeira graciosa dizer a minha mãe que nascera um menino. "Dá-me cá! Quero vê-lo!", exausta e molhada de suor, a doce mulher queria, apenas, sentir o calor vivo de seu filho.

Olhos um pouco juntos, cabelos ralos, pele coberta por um resto de líquido amniótico: assim era eu, após ser expelido da não-casa orgânica, na qual fui gerado. Claro, mamãe achou-me lindo, beijou minha testa melada e amou-me. Eu, apenas pérolas negras em olhos grandes, observava-a e adormeci no calor confortante de seus braços.

Meu pai, meu irmão, uma porção de roupas, um tanto de amigos, dois anos mamando - assim vivi o primeiro ato desse meu teatro-vida. Depois, quatro anos depois, resolveram lustrar meu cérebro com as lições e aulas: a escola acolheu minha criatividade, fez germinar outras curiosidades minhas, construiu um cidadão, um herói, um homem, um qualquer, um supremo, um escritor, um sonhador, um risonho, diversas porções minhas inacabadas.

Há pouco tempo, cinema, shopping e essa vontade imensa que o futuro chegue logo - mas que o passado não parta jamais. Faço, então, do presente a mistura perfeita entre os espelhos do ontem e os pergaminhos em branco do amanhã.

Os outros, quando querem, me chamam pelo nome e suas desinências.

La deuxième partie:

Debaixo do chuveiro, um garoto inventa discursos, lembra poemas, tem idéias, chora os lamentos passados, escreve nos cantos embaçados tais-e-quais palavras, cria perfeições. O menino, divertindo-se com seus heterônimos esquizofrênicos, ao olhar fixamente para a lâmpada acesa, revela sua verdadeira identidade: sou eu.

Não há estrelas no céu, um manto cor-de-veludo-escuro encobre toda a luminosidade emanada dos corpos luminosos. A lua, nova, coitada, nua, fria e solitária, até canta... sua voz é pouca e nem chega aos ouvidos humanos.

Eu, porém, repartido e ímpar na carapaça de gente, tento encontrá-la. Quero (e muito!) pô-la dentro do bolso, a fim de presentear a garota amada... não tenho bolsos... não tenho garota amada... estou sozinho e nu. A água ainda cai e sinto uma vontade estranha de falar um palavrão (em outra língua). Como não sei outros idiomas, basto-me com o meu antigo conhecido Português.

Dentro do banheiro, com a porta fechada e a mente aberta, não tenho nome... ninguém me conhece: nem eu, nem todos os outros inventados.

La troisième partie:

Calor. Janela aberta. Corpo semi-nu estirado na cama. Livros guardados cuidadosamente nas estantes. Poesia completa de Alberto Caeiro aberto sobre o colo. Mãos fugazes viram as páginas. Xiiiu... venha ver essa cena, mas entre sem fazer barulho. Vamos, se aproxime! Não mandei tirar os sapatos? Por favor, faça silêncio, escute o poema.

As estrofes saem sussurradas dos lábios trêmulos do garoto. Um pernilongo pousa sobre a perna desnuda e faz sua última refeição antes de colidir solenemente com a palma de alguma mão. Está esperando o que para ir lá matá-lo? Sem fazer barulho! Não, não encosta nele, deixe-o ler! Saia daqui, basta de intruso. Como assim? Você quer escutar mais uma poesia? Fique calado, então. Só mais uma e você vai embora, combinado?

Cada palavra inundam o quarto, os ouvidos, os corações; depois, cansadas, fogem rapidinho pela janela aberta. Vez ou outra encontram-se com vaga-lumes, levam um baita susto e voltam correndo para o cômodo iluminado artificialmente. Essas que voltam, transformam-se em ecos... machucam os ouvidos cheios de sofrimento.

O poema acaba. O menino fecha o livro. Coloca a coberta sobre o corpo. Ajeita os travesseiros. Recosta a cabeça neles. Dois receosos dedos apagam a luz. Xiiiu... está na hora de ir embora. Você quer fazer uma pergunta? Faça-a, talvez não tenha a resposta. Quem é o garoto? Hum... hã... hen... sou eu.

Cara-de-mil-vergonhas.

Meu nome? Não, isso não é importante. Vá embora, agora! Deu sua hora, o show acabou.

Passos vagos na escuridão.

Ei! Psiiiu... quer escutar um segredo? Pois bem, por essas bandas do Sudoeste, eu não tenho nome. Me chamam, apenas, de guardador de sentimentos. Gostei de você, me espere, estou indo embora também.

Boa noite, digo... durma bem, guardador de sentimentos, respondo.

Dois corpos viram sombras, depois desaparecem na eternidade.

Através do espelho obscuro, capítulo 27


Foto: Guilherme Carnaúba

por Tuma

Naquela noite, Nino teve de sair. Ferdinando ficou sozinho com Ernest no casarão. Após o jantar, o desmemoriado foi à sala e ligou a vitrola, para ouvir um pouco de The Sandmen. Já decorara o nome de algumas faixas. A primeira era Good Night, Good Dreams, a segunda era Sunshine, e a terceira Mister Sandman. Essa última ele sempre pulava, pois lhe causava uma sensação perturbadora.

Enquanto ouvia, Ernest apareceu. Vinha caminhando lentamente, como era seu costume, com as mãos para trás. Ferdinando abaixou o volume do som, e deixou que o mordomo se aproximasse. O homem baixo e feio chegou bem perto de Ferdinando, e começou a falar.

- Ainda não nos apresentamos formalmente. Meu nome é Ernest Schrödinger.

Disse, estendendo a mão. Ferdinando a apertou e continuou a conversa.

- Eu não sei meu nome, mas seu patrão me deu o nome de Ferdinando.

O mordomo riu, algo que Ferdinando não vira até então, e com um braço levou-o até o sofá, para sentarem-se.

- Sim, creio que isso merece uma explicação. – com um suspiro, Ernest terminou sua última frase, e depois voltou a falar sem parar, mecanicamente - Como Antonio disse, Ferdinando era o nome de seu irmão mais velho. Sua família era a mais rica e importante da cidade, os Nápoles, e Antonio era o caçula, mais novo de dois irmãos. Há quinze anos, quando o pobre Nino tinha somente 4 anos, os pais morreram num acidente de carro misterioso.

Ernest parou de falar subitamente. Ficou encarando o espaço vazio atrás de Ferdinando, como se estivesse vendo alguma coisa. Depois, voltou-se para ele e tornou a falar:

- Já o irmão mais velho, aquele enlouqueceu. Abandonou a casa e o irmão e saiu pelo mundo. Três anos depois da morte dos pais, descobrimos que ele havia morrido em uma cidadezinha distante, de pneumonia. O corpo foi trazido, velado, e enterrado. Choramos por ele durante seis meses. Ainda assim, Nino relutou em aceitar sua morte. Para ele, seu irmão enganou a morte, e ainda vaga por aí.

Nova pausa. Ernest tossiu e não disse mais nada por um longo tempo. Mas voltou a falar.

- Por isso, ele adotou você como irmão. Para ele, você é uma espécie de presente, um desmemoriado surgido de parte alguma que veio ocupar o lugar que seu irmão de verdade abandonou. E, enquanto você não se lembrar de quem é, continuará a ocupar esse posto.

Embora a última frase pudesse soar como ameaça, Ferdinando não tomou nota disso. Ficou em silêncio, pensativo, sem olhar para o mordomo. Em sua mente, os silêncios e espaços vazios disputavam entre si a hegemonia. No vácuo, surgiu um pedaço de coisa, e a coisa era a aceitação. Seu nome, a partir daquele momento psíquico, seria Ferdinando, e suas memórias seriam construídas a partir do instante em que acordara sangrando no carro. Depois de ouvir as palavras do mordomo, o Tolo despertava para uma nova vida.
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segunda-feira, 24 de novembro de 2008

O Palácio Vitral: XVIII - Carta a Albert J. Lewis

por Pudim

Território brasileiro sem-nome, oito de janeiro de 1905.

Meu amigo Albert,

De fato, a América do Sul é um lugar impressionante, digno de uma expedição como esta. De fato, uma expedição como esta implica severas conseqüências. Sinto medo em olhar para os meus pés cada vez que tiro os sapatos para descansar, meus membros reclamam a cama agradável costumeira, e a festa de Ano Novo não é tão animadora em uma floresta isolada. Aliás, foi interessante observar como a natureza não se importa com as regras e marcações estabelecidas pelos humanos. Aqui nenhum mico-leão faz caso se seu tamanho é de 45 ou 46 centímetros; simplesmente tem a medida de um mico-leão.

Tantos anos cheios de descobertas, e nunca havia me dado conta dessa importante lição...

Mas não seria motivo de fazer meu ajudante viajar 108 quilômetros até o correio a experiência adquirida que, como você gosta de dizer, faz parte do trabalho. Em meio a tanta admiração por um cenário inédito nos catálogos botânicos, me deparei com algo inusitado, como confirmará pela minha descrição.

Caminhava por entre árvores, cujas copas insinuavam o céu inalcançável, até que consegui notar uma fonte de luz muito distante à frente, facilmente perceptível dentro de um ambiente tão contínuo (não queira pensar que a paisagem é entediante). Segui a fonte, e gradativamente o canto dos pássaros foi diminuindo, os símios que me seguiam curiosos foram recuando e desaparecendo, o ar foi se tornando mais leve, o sol mais castigante, os mosquitos mais atrevidos, e consegui descobrir uma gigante - muito gigante - clareira.
Ao adentrá-la, logo percebi que se tratava de uma enorme propriedade, mas não como as típicas do país. Era cercada por belos jardins de espécies nativas e, ao invés de uma fazenda, seus corredores levavam a um belo palácio vítreo.

Por mais etérea que possa parecer, a cena não foi um sonho. Posso assegurá-lo da veracidade desta visão por agora mesmo escrever de um dos aposentos do palácio. A arquitetura é inacreditável, talvez sem paralelos nas construções históricas européias. O exterior, se não for completamente de vidro, disfarça-se muito bem. As formas executadas pelas armações dos vitrais lembram o estilo gótico, mas muito vagamente. No seu interior, os cômodos são parecidos com as casas reais da Inglaterra, com exceção do constante (e de muito bom-gosto) uso da luz solar que, ao atravessar as figuras desenhadas na superfície externa, projeta formas indefinidas no chão incolor. O efeito é bem calculado, e sem dúvida um grande desafio aos artistas europeus.

Talvez o mais interessante é que, postando-me em frente à entrada, não fui bem recebido. Pelo simples fato de não haver anfitriões. Vou poupá-lo de explicações, pois envio, anexada a esta que escrevo, a carta que encontrei presa à porta.

Seu companheiro, Richard Beddome.


O texto, acredita-se, foi lido apenas pelo naturalista inglês e seu destinatário, antes de perder-se para sempre na lareira do último. Talvez por isso as origens do Palácio Vitral são rodeadas por muitas incertezas e lendas. Entretanto, como pesquisas posteriores demonstraram, a instituição não deveria ser mais do que trinta anos mais velha que a visita do explorador britânico. E nem o bilhete deveria contar tanto mais a respeito do lugar do que sabia o Diretor Squalor, noventa anos depois.



Foto: Guilherme Carnaúba

Anti-Humor [5]

por Rodrigo Faustini

Como parecer “sério”


Executivo falhando em tentar parecer sério ao virtualmente ignorar todas as regras, exceto 5, notando-se o incrível contraste de suas sobrancelhas com o resto do ambiente e sua superfície corpórea.

Com a crescente infantilização da população atual, pela qual a Mídia é e a culpada por e totalmente não sendo apenas um reflexo de, cada vez mais a imagem de maturidade e profissionalidade é difícil de ser atingida. A seguir segue-se uma lista passo-a-passo de como obter tal aparência, já que a substância em si é descartável.

I-Preparo Físico

1- Diferencie-se do “você” do dia-a-dia. Usar um set social completo é um bom início, mas não é tudo. Para diferenciar-se ainda mais, use uma gravata borboleta clássica.

2- O senso comum provou que um cabelo controlado e arrumado sempre dá uma boa impressão. Para obter tal, utilize sempre uma mão e meia de gel espalhado pela sua superfície capilar, sem economias. Você também pode espalhar um pouco em qualquer outra área de seu corpo de sua preferência, para dar aquele “brilho” profissional.

3- Consuma vaselina por duas semanas. Isso lhe dará um impecável hálito e realçará seus dentes, além de ser um ótimo recheio para pães.

4- Em caso de entrevista de emprego, não é uma boa escolha fazer a barba muito cedo, como 2 meses antes, assim como não é viável arriscar-se os problemas eventuais de fazê-la tardiamente, como 5 minutos antes de sua entrevista ou durante tal. Portanto, deve-se encontrar o meio termo, que no caso seria um mês de antecedência à sua reunião. Lembre-se de besuntá-la com gel também.

5- Para manter sempre a atenção das pessoas em sua expressão enquanto você dialoga, tente criar um “ponto de foco” em seu rosto. A ausência duma pontinha de um dente, o leve desalinhamento das sobrancelhas, um ponto careca, cravos que formam o tracejado de algum objeto se conectados, um pedaço de papel numa das narinas, desproporção das orelhas ou um estrabismo suave são boas maneiras de atingir este objetivo. A cirurgia fotoquímica de indução de pintas é recomendada, embora tenha alto custo e taxa de risco, além de ser facilmente substituída por uma caneta.

6-Tente andar com o mínimo movimento possível, além do estritamente necessário, para demonstrar a força e competência do regimento que você impõe em seu corpo. Imaginar que você carrega uma pesada caixa transparente enquanto anda pode ajudar nesse requisito.

7-Use óculos com lentes no mínimo “médias”. Não seja um poser, utilize lentes reais para deficiência visual. Não se preocupe, seu corpo irá se adaptar.

8-Mantenha sempre o maior número de objetos “sérios” preenchendo todo e qualquer bolso de seu vestuário. Estes incluem: canetas, lápis, borrachas, documentos em geral, carteira, dinheiro (sem moedas), canivete, tesourinha, pequena faca, cortador de unha, mini-lupa, calculadoras, elementos químicos, balas (apenas Halls preto ou Trident de menta), fio dental, comprovantes, papéis em miniatura, talheres de luxo, entre outros. Crie uma intercomunicação entre os bolsos para melhor acesso a tais objetos, que se mostrarão úteis para cada situação banal.

9-Para evitar o exagero e escapar do risco de parecer pretensioso, introduza em seu vestuário um flamboyant espectro de cores. Baseie-se no arco-íris e trabalhe seu caminho a partir daí.
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Biografias:

John Sinclair, o homem que não salvou John Lennon

Andy Kaufman


Para John Sinclair, aquele era um 8 de Dezembro como qualquer outro, excluindo-se o fato de que uma das maiores celebridades da história havia levado quatro tiros consecutivos nas suas costas ao seu lado, e tudo o que ele fizera fora falar “Nossa, esse era o John Lennon?” . As coisas foram por água abaixo após isso.

As pessoas logo souberam da história e começaram a atacar a casa de John, assim como ele mesmo -fazia - quando se encontrava em espaços públicos. Tudo piorou ainda mais quando ele foi votado #2 na “Procura pelo Judas Moderno” da revista Time. Semanas depois, a Corte judicial foi inundada de processos vindos de cada fã dos Beatles da época, assim como os membros restantes da banda (3 guitarras, um set de baterias e 4 amplificadores se seguiram), contra o jovem, que ainda mais, declarou “ter achado Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band meio ‘pretensioso’, cara”. O mundo logo se seguiu numa ação conjunta contra Sinclair, excluindo John Sinclair, é claro, embora outro John Sinclair também o estivesse processando, incluindo por danos morais pelo nome.

“Acho que eu até sairia livre se não fosse por aqueles garotos insistentes e seu cachorro que provaram que, em uma das 1030 possibilidades de pulo para cobrir o ataque, eu sairia apenas paraplégico” constatou Sinclair, cumprindo sua sentença de 28 anos de prisão por “não evitar a morte de uma pessoa evidentemente superior quando a chance foi-lhe concedida”, cerca de um ano a mais da que Mark David Chapman conseguiu pelo assassinato.

Numa última tentativa de apelo judicial, Sinclair mostrou o vídeo da reencenação do assassinato de JFK, na qual Jacqueline Kennedy claramente sai correndo do carro após a cabeça de seu marido casualmente explodir ao seu lado. O advogado da promotoria corretamente indicou que ela na verdade correu em direção à origem do tiro, claramente tentando ir atrás do culpado para tirar satisfações, como um close up da expressão da atriz pareceu demonstrar.

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"Como Incrementar Sua Vida Conjugal através da Implementação Gradual da Metafísica: Um Romance" continua em recesso por tempo indefinido devido à conflitos entre o autor e sua Imaginação. No momento, a Imaginação detém o controle de algumas importantes Memórias de Infância enquanto o autor está tentando alcançá-la com a ajuda de seu amigo imaterial Rupert, que pode ou não vir a ser um agente duplo.


Através do espelho obscuro, capítulo 26


Foto: Guilherme Carnaúba

por Tuma

O resto do dia transcorreu calmo. O médico veio logo após os policiais saírem, e constatou que não havia nada de errado com o desmemoriado. Disse ser normal ter dores como a que Ferdinando descrevera após ferir a cabeça, e que ele não deveria se preocupar. Ferdinando e Nino almoçaram, e depois este falou para aquele algumas coisas sobre a banda que haviam ouvido mais cedo.

- The Sandmen foi uma banda única – descrevia o anfitrião, animado -, eles fizeram um tipo de música que nunca havia sido feito. À primeira vista, parece só uma banda muito boa, mas quanto mais você ouve, mais os temas e o ritmo da música penetram em você. Eu sonho com o dia em que terei ouvido o suficiente deles para entrar em alguma espécie de nirvana.

Ele continuava:

- A família deles era em parte daqui, sabe? O pai deles, William, era descendente dos Honey, uma família poderosa de Miranda. Mas depois, a maioria dos membros da família morreu e ele se mudou para Prospera, onde conheceu Anne Roy, com quem se casou e teve quatro filhos: Ike, Morf, Fant e Hip Honey-Roy, mais conhecidos como The Sandmen. Os quatro procuraram uma gravadora chamada Caliban, que tinha sede em Prospera na época, com algumas fitas demo de covers, e o dono adorou e os contratou na hora.

E acrescentava:

- Infelizmente, eles só lançaram um álbum, para o qual deram o nome de Through A Glass, Darkly. É uma citação da Bíblia, acho. Mas tudo que cerca esse álbum é cercado de mistério. Depois dele ter sido lançado, a banda fez uns três ou quatro shows e sumiu. Dez anos depois foram descobrir que os quatro tinham peregrinado pelo mundo durante todo esse tempo, e morrido num acidente de carro dois anos antes. Mas aí, já era tarde demais, a banda estava esquecida.

E ainda:

- Aqui em Miranda, ninguém gosta muito de falar no assunto, mas tem outra coisa perturbadora sobre esse disco: algumas gravações da época mostram os integrantes discutindo sobre o álbum, e falando que ele teria dez faixas. Mas, quando ele foi lançado, só havia nove. Em Miranda, ninguém leva isso muito a sério, alguns ficam até ofendidos, mas o fato é que a história dessa faixa perdida é um mistério até hoje.

E ele dizia, e Ferdinando ouvia atento.
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sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Através do espelho obscuro, capítulo 25


Foto: Guilherme Carnaúba

por Tuma

Os dois policiais, acompanhados de Ernest, entraram um pouco assustados. Perguntaram o que havia acontecido, Nino disse que fora só uma crise de dor. Mandou o mordomo chamar o médico, e convidou os visitantes a se sentar. Antes de o fazerem, porém, se aproximaram de Ferdinando e o cumprimentaram. O mais alto e cabeludo estendeu a mão e disse:

- Fellwin, Bingo Fellwin.

Enquanto o gordo encapotado fazia o mesmo e dizia:

- Vladimir Spassky.

Nino disse a eles que o forasteiro não se lembrava de seu nome, nem de nada, mas que podiam chamá-lo de Ferdinando. E então se sentaram. Ficaram em silêncio alguns instantes, parecendo constrangidos por terem chegado em um momento daqueles. Spassky, porém, tomou a palavra:

- Veja, ahm, Ferdinando, nós precisamos saber o que aconteceu com você, por que você estava ferido, sim? – O
desmemoriado pensou por um instante e respondeu:

- Mas eu não me lembro de nada.

- Nada mesmo? Mas como você veio parar em Miranda? Veja bem, alguma coisa você tem de lembrar. – A face se Ferdinando se contorceu em uma rápida expressão de dor, antes que ele dissesse alguma coisa.

- Olha, eu acho que... eu acho que eu sofri um acidente de carro... eu simplesmente acordei sangrando dentro de um carro e, bem, eu não sei, eu vim para cá.

Os dois policiais se encararam. Dessa vez, Fellwin tomou a palavra:

- Nós achamos ontem o carro de um homem chamado Eliott Hartman acidentado na estrada que vem de Prospera. Ele estava dentro, morto, e havia no local também o carro de um outro homem, um estrangeiro. Encontramos indícios de que havia outra pessoa no carro com Eliott, e supomos que seja você... esse nome lhe diz algo, Eliott Hartman?

Por um momento, Ferdinando pensou ter sentido um leve tremor em sua mente, como se algo estivesse prestes a brotar. Mas a sensação logo passou.

- Não, não me diz nada.

O policial então tirou do casaco a foto de um homem gordo, bigodudo e careca, que se assemelhava curiosamente com seu parceiro, embora fosse mais rosado, e mostrou para Ferdinando.

- Você o reconhece?

Ferdinando ficou em silêncio um instante, observando aquelas feições levemente familiares, mas negou novamente.

- Não, esse rosto não me lembra de nada.

Fellwin fez uma cara de desgosto, mas logo voltou à expressão indiferente habitual. Levantou-se e, imediatamente, seu parceiro imitou o gesto. Foi esse quem tomou a palavra, pela última vez.

- Muito obrigado Ferdinando, obrigado Nino. Assim que soubermos mais sobre o que aconteceu, avisamos vocês. E, se você se lembrar de algo, diga para nós. – arrematou, olhando Ferdinando nos olhos.

E saíram, deixando o homem, o rapaz e o mordomo sozinhos e silenciosos
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quinta-feira, 20 de novembro de 2008

O Palácio Vitral: XVII - Nova terra

por Pudim

Foto: Guilherme Carnaúba
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No final do ano de 1904, das escarpas levemente oblíquas da porção leste do território litorâneo sul-americano, ainda se podia descortinar a visão estonteante de uma floresta incrivelmente biodiversa e muito densa.
Nos pontos mais elevados, arvoredos esparsos desciam para os vales, onde formavam rios contínuos de mata intocada. O céu era de um azul infinito e sobrenatural, cortado raramente por grupos de grandes aves.
Igualmente impressionante era o cenário que se estendia desde a orla até os pés da seqüência de planaltos quase uniforme, que acompanha toda a costa. A transição entre os mangues e as primeiras grandes árvores demonstrava grande parte da variabilidade biológica terrestre.
A mais admirável, porém, era a área das encostas daquelas escarpas. O dossel evocativo permitia passagem apenas a alguns feixes de luz solar, para mostrarem a névoa típica das florestas tropicais chuvosas. Por baixo dele exibia-se um conjunto de plantas floridas, cuja beleza tinha até um ar hostil na escuridão. A sombra das folhas largas e perenes a 15 metros de altura deixava o solo sempre pouco iluminado.
Pelas vertentes que seguravam a chuva, conferindo a frondosidade às árvores do local, derivavam regatos de água límpida, cuja qualidade era ainda mais elevada pela pluviosidade. Por vezes via-se índios atravessarem as trilhas lamacentas para garantir que a sede de seus povos distantes fosse sanada. As histórias populares, entretanto, contavam que ali era a nação sem delimitação de onde se podia ouvir o discurso imortal da quietude da natureza. O bioma era tão extenso, e a vegetação tão fechada, que os poucos nativos que passavam não ousavam interromper o musical alegre da Mata Atlântica ainda cheia de vida.
Era por essa terra lendária que peregrinava, intrigado e agitado, o botânico inglês Richard Beddome.

Através do espelho obscuro, capítulo 24


Foto: Bruna Pimenta

por Tuma

Ao ouvir aquele nome sendo dito, Ferdinando foi tomado por um sobressalto. À frente de seus olhos, espocaram imagens: Um borrão em forma de rosto flutuando na escuridão, raios movendo-se e deixando rastros luminosos no espaço vazio, uma boca repetindo ininterruptamente as mesmas palavras indecifráveis.

Súbito, lembrou-se do acidente. Se o havia ignorado quando acordara confuso no dia anterior, agora ele o tomava de assalto: o curativo em sua cabeça pulsou como se estourasse, imagens estranhas invadiram seus olhos e pareceram cortá-los, ele urrou de dor.

Nino correu até ele, mas não conseguiu impedir que seu corpo desabasse no chão. Ernest veio caminhando da porta, sem pressa, e ajudou o amo a levar Ferdinando para o sofá. Este, por sua vez, já não respirava mais ofegante: a dor passara. Nino sentou-se ao seu lado.

- Está tudo bem?

- Sim?

- O que houve?

- Só uma dor muito forte na minha cabeça.

- Precisamos chamar o médico... está tudo bem agora?

- Sim.

Enquanto conversavam, a campainha tocou, e Ernest se afastou dos dois para atendê-la.
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quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Através do espelho obscuro, capítulo 23


Foto: Bruna Pimenta

por Tuma

Lavou-se rapidamente. A água era quente, o sabão suave, e havia roupas limpas e leves esperando por ele. Após sair do banheiro, caminhou algum tempo pelos corredores vazios, observando velhas pinturas e velhos retratos. Logo, começou a ouvir alguns sons delicados, que mesmo quase inaudíveis lhe causavam certo prazer.

Chegara à sala de estar da casa, novamente. Nino se quedava em pé, ao lado de uma vitrola, de onde saíam os sons delicados para seus ouvidos. Ernest, como Ferdinando percebera chamar-se o mordomo, estava parado ao lado da porta de entrada, esperando um chamado de seu amo.

Ferdinando não percebera, quando este o levara até o banheiro, como ele era feio. O mordomo era um homem baixo e troncudo, mas com braços e pernas um pouco finos. Seu cabelo grisalho se acumulava próximo à testa, e à medida que avançava até a nuca se tornava mais ralo. Sobre o nariz, duas volumosas sobrancelhas se encontravam, delimitando a face, que ia até o queixo numa expressão única de seriedade.

Enquanto Ferdinando divagava sobre tais assuntos, Nino notou sua presença. Sorriu e, com um gesto amplo, questionou:

- Maravilhosa a música não? Você a conhece? É de uma banda que eu adoro, chamada The Sandmen.
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terça-feira, 18 de novembro de 2008

O Palácio Vitral: XVI - Gemini

por Pudim


A decoração do lugar era básica, como no anterior. Os outros oito participantes saíram tão avidamente que nem se deram conta de como a pista dali estava evidente.
Só restava bisbilhotar as gavetas e as prateleiras do armário. O complexo sistema de chaves que o protegia quase serviu para eliminar Anderson. Um olhar decepcionado de Renato foi suficiente para que o amigo não abandonasse o time.
“Mas vamos tentar ser mais rápidos”, adicionou asperamente.
Na verdade, todos podiam compreender a conduta apressada do mais novo. Havia apenas uma gaveta aberta, contendo a chave de uma outra, que escondia a da próxima, sem qualquer dica de qual ela seria. E assim por vinte e oito gavetas e doze compartimentos de estantes, até surgir algo relevante. Talvez o objetivo fosse exatamente eliminar os que não estavam dispostos a entender o verdadeiro enigma do palácio.
“Cheguei a pensar que nosso prazo era longo demais”, Álvaro comentou, segundos antes de poder enxergar os entalhes no revestimento da última divisória da mobília.
Quem é o herdeiro do Palácio Vitral?”, Witch leu com um tom de interrogação mais próprio de uma dúvida pessoal do que do sinal de pontuação na frase. Que não havia sido esculpida com tanto capricho.
Para certo consolo, havia ainda uma derradeira chave guardada ali.
Após algum tempo de sugestões, concluiu-se que o melhor a fazer era o menos compatível com o esquema do jogo: testar todas as portas da Ala dos Cajueiros.
Kevin e eu concordamos silenciosamente em não mencionar nada sobre nossas idéias discutidas. Pelo menos até que o grupo inteiro chegasse ao final. Instintivamente, porém, o líder tomou o artefato metálico da mão de Witch e correu para o grande portal. O mesmo que inicialmente supusemos ser a saída.
O instrumento serviu na abertura central do par de portas. Moveu as lingüetas das fechaduras, abriu algumas das travas e... disparou um teclado de telefone!
Kevin sorriu. Além da empolgação pelas inconcebíveis teorias confirmadas, era engraçado comparar o dispositivo tecnológico com a arquitetura antiga representada no resto da construção. Segurou por algum tempo o punho fechado a alguns centímetros dos números, antes de usar os dedos suados para acertar na primeira tentativa. Quem é o herdeiro do Palácio Vitral?

5 – 3 – 8 – 4 – 6

K – E – V – I – N

Atrás das gigantescas peças de madeira que se moviam com ruído assombroso, lentamente se descobria, sentada numa poltrona bem maior do que se julgaria necessário, no centro da maior biblioteca já vista por qualquer um dos sete estudantes espantados, a figura emblemática e eternamente sorridente de Romeu Squalor.





Foto: Bruna Pimenta

Anti-Humor [4]

por Rodrigo Faustini

Johnny "5 dedos" Pecker

Um homem que necessita de pequena introdução, Johnny foi um dos maiores contribuintes para a música contemporânea, inventando cerca de 15 estilos, embora nem todos bem sucedidos, e lançando praticamente todos os álbuns do mundo desde 1955, direta ou indiretamente, mas principalmente de forma indireta.


Dotado de uma infância difícil, ele passou por todos os orfanatos de sua cidade natal, New Beverorleans Hills, até ser banido por possuir dois pares de pais, e ficar se achando para os outros órfãos. Pouco se sabe sobre sua adolescência, embora muito possa ser pressuposto pela sua ficha criminal entre seus 12 e 16 anos: 1 detenção por assalto de cavalo, 1 detenção por assalto à cavalo, 2 detenções por roubo de mão armada, 2 detenções por roubo de uma mão armada, 3 por assédio sexual, 2 por roubos sexuais, 1 por fraude de uma fraude (liberado pela Lei da Dupla Negativa), 2 por assalto de cavalo sexual, 1 vez por doação de dinheiro (foi bem suspeito) e 2 vezes por “posse”.


Mas tudo isso era o de menos comparado com o bem e a integração social que ele gerou ao acidentalmente inventar o Blues Rock, em 1946, quando ele vendeu uma guitarra para um tocador de banjo cego. Como forma de agradecê-lo, o músico ensinou-o toda a sua arte, antes de morrer duas semanas depois de cegueira. Dotado da guitarra de seu mestre, e uma já presente anarquia em seu coração, Johnny “5 dedos” Pecker, saiu pela América e seguiu para grande sucesso.


Muito poderia ser dito sobre a vida e as aventuras de “5 dedos”, mas todas são histórias manjadas como: as vezes que ele substituiu Paul McCartney nos vocais (é Johnny quem você escuta em Let It Be), a vez em que ele brigou de punhos livres com JFK por Marylin Monroe, a vez em que ele brigou com um mendigo por uma vagabunda (nem todos foram anos de ouro), seu flerte com a Heroína, seu conseqüente relacionamento com o crack e seu casamento com Peyote, o cogumelo psicodélico (tudo acabou quando ele descobriu o que eles faziam com Hendrix), quando acabou dando um show numa Marcenaria após interpretar mal um convite para Woodstock, entre outras. E por isso nos concentraremos no que ele adicionou à música:


I- Ambientalismo: Esse estilo, inventado por Johnny, consistia em gravar os “sons do silêncio” em diferentes ambientes naturais e em outros públicos, para que a música fosse criada pelas sensações e não pelos sons. Foi uma boa idéia muito aguardada pelos críticos, que ficaram desapontados com o resultado, pois Johnny, um conhecido agorafóbico, não saiu de casa para as gravações, sendo que as únicas diferenças eram notadas quando ele estava roncando ou não por trás das faixas.


II- Marketing: Johnny conceituou a idolatração da música, transformando cada oportunidade em lucro. Após a morte triste de seu filho (ele sofreu uma overdose proposital em cima de todos os discos do pai, num gesto que nunca foi capaz de ser compreendido), “5 dedos” resolveu transformar o funeral da noite seguinte numa ode ao garoto, organizando um show durante a cerimônia. Com apenas 5 horas de venda de ingresso, o local ficou lotado, e uma estátua de Jesus até teve de ser movida para fora por um tempo para dar espaço a todos (“ele iria gostar que fosse assim, afinal”, disseram os organizadores). A morte de seu filho aparentemente chocou em grande escala o músico, pois, contidas espalhadas nos seus subseqüentes 30 cd’s, duas faixas foram compostas em homenagem ao garoto, as instrumentais “Honk if you want Boobs” e “ You’re Dead”, que acabaram por ser as músicas menos tocadas de seus respectivos álbuns.


III - Texto com música: Enquanto lia um trecho de “O grande Gatsby” em voz alta para seu mestre cego, Johnny ligou o rádio enquanto um pouco de Jazz tocava e percebeu como as duas coisas combinavam harmonicamente, sendo que assim surgiu a idéia de tocar-se música com o som de um texto sendo lido ao mesmo tempo, o que, posteriormente, foi descoberto como já preexistente pelo nome “música” ou “song”, mas que acabou sendo creditada por Johnny de qualquer forma, pois ele era o único que via aquilo como inovação.


IV- Música Medicinal: Em outra de suas várias tentativas de ressucitar Andy “Blue” Velvet, seu mentor, Johnny passou anos procurando por um som que pudesse, como ele mesmo descreveu, “fazer o contrário de matar”. Sua busca, nesse requisito, foi em vão, mas, em 1964, Pecker atingiu um som que vibrava em tal freqüência que causava a ruptura da camada protéica do Orthopoxvirus, ao mesmo tempo que não afetava as células do indivíduo, com apenas um terremoto em escala localizado como efeito colateral. O som foi obtido ao literalmente marretar-se um piano enquanto uma tuba, um par de bôngos e um saxofone eram forçados a assistir. Mesmo assim, até 1970, a varíola continuou a atacar, até que uma vacina foi desenvolvida, erradicando a doença e deixando Johnny e sua música na escuridão além de envergonhá-lo, pois pessoas preferiam que um líquido gelado fosse-lhes introduzido por um orifício forçado até as veias via um tubo metálico à escutarem sua cura.


Um ensaio sobre o Daltonismo


A rua, como sempre, estava lotada de carros, quase todos pratas pretos vermelhos em três casos marrons. A agitação da hora do rush moderna continuava, como se o trabalho exercesse uma força de magnetismo. O céu azul já se acinzentava uma chuva estava a caminho. No meio da correria, um carro parou-se e dele saiu o motorista. Meu deus! Meu deus! Eu não consigo ver direito... As cores do sinal. A perda gerou o pânico e com ele a vontade de socorrer. Espera, eu te ajudo. Qual é o seu carro? É o verde. Não há carros verdes. A primeira lágrima escorreu a enchente viria com a chuva. Merda, merda. Era prata quando eu comprei eu não me lembro. Estou confuso. Eu te levo para casa. Moro num apartamento. Qual a diferença. Ponto final. Onde estão os travessões. Ponto de interrogação. E as outras marcações gramaticais


Parágrafo. O homem do casaco marrom (ou seria cinza? Ele nunca mais se lembraria) entrou no carro do homem de chapéu, que lhe levou até seu apartamento. No caminho outras pessoas podiam ser escutadas olhando para as árvores e se questionando o porquê delas estarem azuis. Eles não estariam sozinhos quando a humanidade sucumbisse por ter relacionado tantas coisas importantes a um sistema baseado em cores. Vire à direita aqui. À esquerda aqui. Siga em frente após essa padaria laranja. Que padaria? Eu não vou conseguir viver assim. O carro parou e um ponto final desapareceu


Subiram as escadas. Eu vou vomitar. Estou confuso. A falta de travessões e correções pontuais não está ajudando. Chama-se expressão artística Bem, essa expressão artística incomoda depois de um tempo. E deixe minhas falas em preto. Qual será a cor de Deus? Talvez ele não precise de cores.


Obrigado pela carona. Tchau. Tchau. Puta que pariu meu relógio está verde, comigo também não!


John Dalton, primeira vítima do Daltonismo, após tirar a primeira foto a cores do mundo

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Através do espelho obscuro, capítulo 22


Foto: Bruna Pimenta

por Tuma

O Tolo o encarou surpreso:

- Ferdinando? Por quê?

Nino foi rápido em responder:

- Era o nome do meu irmão mais velho, você me lembra dele. – o Tolo pareceu ainda mais surpreso. Desviou os olhos de Nino, olhou para o chão, voltou a olhar desconfiado para o anfitrião. Este, por sua vez, notando a atitude do Tolo, se aproximou, sentou-se ao seu lado, e disse:

- Vamos lá, não há problema algum nisso, aceite o nome por enquanto, está bem? – o Tolo, agora Ferdinando, concordou com um “uhum”, e fez um esforço para se levantar. Nino o ajudou, e chamou o mordomo para levá-lo ao banheiro.

- Vá tomar um banho, se trocar... depois conversaremos sobre a sua situação.

O mordomo se aproximou e tomou Ferdinando pelo braço. Depois, conduziu-o pelos corredores até um grande banheiro. À medida que andava por aqueles espaços amplos e vazios, o desmemoriado sentia como se caminhasse por sua mente: tudo ali era estranho para ele, e lhe causava uma certa náusea. Ele permanecia, porém, impotente, sem capacidade de reconhecer nada, nem sequer uma música que tocasse, baixinho e escondida, nos recônditos de sua consciência.
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segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Através do espelho obscuro, capítulo 21


Foto: Bruna Pimenta

por Tuma

O Tolo, ao cair no sofá, caiu também num sono pesado e profundo. Nino, o rapaz magro e comprido, mandou chamar um médico, e os dois policiais permaneceram com ele, enquanto esperava. O médico chegou logo, examinou a cabeça e o resto do corpo do Tolo, e fez um curativo bem acima da testa. Depois, foi embora. Nino dispensou também os policiais, eles se ofereceram para ficar, mas Nino recusou. Ele tinha Ernest, o mordomo: ele o protegeria, caso alguma coisa acontecesse.

Embora o Tolo tenha dormido a noite toda, Nino permaneceu vigilante ao seu lado, praticamente sem piscar. Pela manhã, Ernest veio trazer o café, e ainda nesse momento Nino continuou esperando. Finalmente, por volta das nove horas, o Tolo acordou. Levantou-se devagar, com uma das mãos na cabeça e a outra apoiando seu corpo, e se sentou. Olhou para o rapaz magro e comprido e, com um certo esforço, falou:

- Quem é você? – ao que o outro respondeu:

- Meu nome é Nino, e o seu? – de testa franzida, o Tolo disse:

- Eu não me lembro.

Nino o encarou, sério, e então se levantou e foi até o Tolo. Ajoelhou-se à sua frente, tomou as mãos dele entre as suas e, levantando a cabeça, perguntou:

- Você não se lembra de nada? – O Tolo fez um gesto de negação com a cabeça, enquanto Nino se levantava e afastava. O rapaz ficou caminhando pela sala durante um tempo, parecendo confuso. Levava as mãos ao queixo, para logo depois tirá-las. Erguia a cabeça, olhava para as paredes, dava voltas ao redor de um mesmo ponto. Finalmente, parou. Parecia decidido. Virou-se novamente para o Tolo e voltou a se aproximar dele.

- Eu já sei. – disse – Enquanto você não puder se lembrar de seu nome verdadeiro, vamos chamá-lo de Ferdinando.
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O Palácio Vitral: XV - As devidas explicações

por Pudim


Indiferente à curiosidade em conhecer a sala e ao tempo restante, parei meu líder próximo à entrada da Gemini.
“Ei, Kevin, você não descobriu só aquilo no computador, descobriu?”
“Na verdade, cada vez mais acho que estão se confirmando minhas suposições iniciais. Posso estar bem próximo de entender o que o diretor Squalor quer de nós.”
“Como assim?” Perguntei, ainda hesitante em dizer que concordava com Kevin.
“Bom, se não se lembra, eu propus inicialmente que os documentos tratavam-se de relatos de algum tipo de sociedade secreta. Definitivamente, os códigos sugeridos no último relato pretendiam esconder algo sobre ela. Além disso, uma das gravações mencionava...”
“Um palácio”, adivinhei. “Que você acredita ser o Palácio Vitral”.
“Exatamente”, Kevin sorriu, os olhos brilhando. “Podemos inferir que a organização funcionava aqui mesmo. A carta encontrada na Centauri dirige-se a ‘R.S.’, o que reforça minha idéia.”
“Em outras palavras, Romeu Squalor fazia parte da tal organização?”
“Creio que sim”, respondeu.
“Mas quais eram os seus objetivos, então?”
“Aí é que está o buraco do quebra-cabeças”, o garoto desviou o olhar para a sala em que os outros alunos entravam apressados. “Parecia algo como um centro de pesquisa, mais artística do que científica, até que...”
“Houve uma cisão, que separou os ‘bons’ dos ‘maus’ no projeto”, novamente interrompi o apto pesquisador, completando-o.
“Sim, além da pista escondida no documento do computador, ele continha um sentido literal. Provavelmente serviu para fazer os ‘maus’, se algum dia alcançassem a mensagem, lerem uma crítica irônica ao sistema de códigos, enquanto a mensagem verdadeira era ‘Castor e Pólux’”.
“O que agora nos indicou uma sala, algum dia indicou algo muito maior.”
“Isso é o mais interessante de tudo. Para o ‘Amigo’, ‘Gêmeos’ teria um significado diferente, certamente mais complexo.”
Kevin parecia querer continuar seu discurso veemente, mas Witch, Anderson, Renato, Álvaro e Melissa apareceram correndo tão desesperadamente que foi impossível não voltar a atenção para eles.
“Achamos a saída na sala Gemini!”, a líder anunciou.
Não o percebi na hora, mas Kevin rapidamente deduziu que havia um motivo para eles ainda não terem se livrado do misterioso jogo. Talvez por isso respondeu:
“Mas o que estamos procurando: a saída ou a entrada?”



Foto: Guilherme Carnaúba

Mulheres de Atenas.

Foto por Bruna Pimenta



por Stefano Manzolli.

A luz, que ofuscava os olhos marejados, apaga-se. É um quarto bonito, cheio de pequenas porções de vida: a bailarina que dança dentro da caixinha de música, os garotos de porcelana que sorriem, a foto do casal amável no porta-retrato sobre a mesa de canto, a frágil Stela que inunda o travesseiro com suas lágrimas.

No breu calado da noite, as cigarras gemem prazeres e existências curtas, enquanto as poucas nuvens brincam de se entrelaçar.

- Calem-se! Morram, cigarras! Morram! Me deixem só! - grita a mulher; as palavras, porém, saem misturadas aos soluços histéricos de seu choro, criando uivos melancólicos.

O quarto ecoa todos os seus sons.

Ao longe, quando colidem e tornam-se apenas uma harmonia, Afrodite toca lira e banha-se nua numa cachoeira límpida. Em seus olhos azuis reside uma tristeza profunda: a morte de um semi-deus amado. Sua voz soprana encanta todos os animais da floresta, os quais juntam-se sobre as pedras para escutá-la.

As pequenas cigarras gemem prazeres e existências curtas, enquanto as lindas nuvens de verão brincam de formar corpos entrelaçados.

- Cantem! Cantem, cigarras! Cantem! Não me deixem só! - Afrodite chora e seus soluços são tão solenes que dão poder à sua voz.

A deusa compõe o seu minueto mais bonito, enquanto dois cortejos voltam para suas casas em outras estradas: um em São Paulo, outro no Monte Olimpo. O semi-deus trajando vestes de guerra está sepultado em cova rasa; o marido de Stela vestindo seu terno mais bonito, em cova cara e de família.

A mulher, nesse planeta de injustiças, não sabe tocar harpa, nem lira, nem flauta, muito menos piano. Não sabe cantar, não gosta de falar em público. Sozinha, no escuro de sua casa, dilacera sua alma em gritos e frases de amor. Os animais da floresta não vêm para abraçá-la, mas as cigarras cantam.

Ah, as cigarras sempre cantam!

- Calem-se!
- Cantem!
- Me deixem só!
- Não me deixem só!
- Por favor,
- Eu imploro:
- Volta, Hélio!
- Volta, Aquiles!
- A vida,
- Sozinha aqui,
- Não tem sentido...
- Não tem sentido...

Elas clamam pela volta dos amados, mas não há regresso. Hades carrega o herói; a noite profunda das pálpebras, o homem de negócios. Há, no entanto, silêncio sepulcral nas almas e agulhadas periódicas dentro dos corações quebrados.

Existe, também, uma vontade sufocante de fazer tudo diferente. Uma sensação de que, caso fosse possível voltar no tempo, ambas as tragédias seriam evitadas. Como se uma força mágica pudesse desviar o caminhão desgovernado ou, então, fazer aquela flecha envenenada não ultrapassar o corpo do jovem guerreiro.

Mas não pode-se fazer nada. Além de derramar lágrimas (muitas, muitas, muitas lágrimas).

A voz suave e melancólica de Afrodite, ao descer para a Terra, difunde-se com outros timbres, inunda o quarto escuro (através do rádio) e chega aos ouvidos de Stela. "Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas", "As jovens viúvas marcadas não fazem cenas, vestem-se de negro, se encolhem, se conformam e se recolhem às suas novenas serenas" são lamentos da canção.

A voz suave e melancólica de Chico Buarque, ao subir para o Monte Olimpo, reparte-se: a metade mais carregada de sentimentos cola aos olhos de Afrodite. O restante vira palavras de consolo proferidas por Zeus. "Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas", "Quando fustigadas não choram, se ajoelham, pedem, imploram mais duras penas - cadenas" são lamentos do deus (de barba grisalha, cabelos ralos e voz severa).

Faz doze anos que, por causa da carreira acadêmica, Stela saiu da Grécia para estudar no Brasil. Faz cento e trinta e dois meses que, por causa de um amor frenético de verão, Stela casou com Hélio. Faz vinte e três horas que, por causa de um acidente terrível, Stela perdeu vontade em viver.

Agora, as suas lágrimas inundam o travesseiro e o sangue de seus pulsos, toda a noite com sua cor vibrante. Será demais suportar uma existência solitária, ela não está preparada para ser viúva. A imagem do rosto transfigurado do marido ainda aparece embaralhado aos seus pensamentos.

As cigarras param de cantar.
Os soluços histéricos cessam.
O corpo parece imerso em gelo.

- Cantem, cigarras... cantem... não me deixem só...

Depois de tanto, Stela está voltando para Atenas e irá deitar-se no colo amigável de Afrodite. As duas, mãos dadas e sorrisos graciosos, irão compartilhar suas desilusões amorosas. Quando cansadas do passado, amarão outros titãs, deuses e figuras mitológicas. Se entediadas, tocarão minuetos lindos para as mulheres desesperadas. Na Terra, porém, haverá sempre uma canção em choro de cigarra, tragédias gregas e um conselho a ser ouvido: mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas.