Foto: Guilherme Carnaúba
por Tuma
A fita entrou no tocador e logo estava sendo lida. O ruído dos primeiros centímetros sem gravação apareceu nas caixas de som da caminhonete. Lentamente, um outro ruído tomou o lugar do chiado. Um som baixo e grave que parecia vir das profundezas do abismo. E então, de repente, o carro explodiu em som e fúria, assustando João, que quase não prestava atenção na música.
Filho, eu preciso falar com você...
A última canção, a faixa perdida, sendo ouvida pela primeira vez em décadas. Para João, isso significava muito mais do que teria significado para Ferdinando. Ele amara The Sandmen desde criancinha, e conhecer o segredo e ouvir a faixa perdida era uma oportunidade tão maravilhosa que quase compensava os treze anos de amnésia.
Diga, pai...
Repreendendo-se por pensar tais coisas, João voltou toda sua atenção para a música. A cacofonia do princípio dera lugar a uma suave melodia. As vibrações da caixa de som pareciam deixar o estofo do banco, o volante, até mesmo o próprio piso mais leves. João via seus braços, seus dedos e suas pernas e eles lhe pareciam difusos.
Eu preciso te confessar uma coisa...
Era como se eles estivessem também vibrando, como a caixa de som vibrava, e num instante todo o carro vibrava da mesma maneira. Não uma vibração estrondosa, mas uma vibração de prazer, um tremor leve que tentava forçar para fora uma imensa sintonia. Logo parecia que tudo estava tomado por um leve brilho, que deixava todo o carro, e a própria estrada, no mesmo tom de cor.
Não, não, não repita isso, não!
Aquela estrada, aquela chuva, porém, mesmo em meio à luz suave e às vibrações que percorriam seu corpo, lembravam a João de coisas ruins. As lembranças ruins insistiam em voltar, tanto as dele quanto as de Ferdinando, e juntas formavam uma única lembrança...
Pare!
De novo João assustou com um estrondo da música. Filho, volte aqui, eu preciso terminar. Agora tudo parara de vibrar e continuava em cores dissonantes. Eu te odeio! Ele balançou a cabeça, tentando espantar o sono, e tirou a fita. Pai, não... pai... Teria tempo para ouvi-la direito depois. Pai... Naquele momento, só uma coisa importava.
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