
PEGADAS.
por Stefano Manzolli.
Corro, mas as pegadas permanecem logo atrás de mim. Não há tempo, distância ou velocidade que possa apagá-las. E o vento? Também não. O vento leva apenas a forma física do buraco na areia, porém a essência permanecerá para sempre.
A respiração está ofegante e os olhos nublam periodicamente... crio, nas imensas paredes rochosas, meus fantasmas de tempestade: a garrafa de uísque no chão, os olhos sombrios e estilhaçados, o corpo taciturno ao pé da escada, a árvore de Natal incendiada pelas luzes pisca-pisca.
Faz tempo que passou o Natal, até já entramos em um novo ano... a árvore, todavia, continuava na sala apenas por preguiça de desmontá-la. Talvez, não sei, era necessário que fosse testemunha - inanimada, velada, solene -, antes de tornar-se fuligem.
Agora, ela aparece um pouco desfigurada entre as fendas das pedras. As lágrimas não são suficientes para levá-la embora. Minha mente, frenética, ainda digere a idéia da fuga... "Não é fuga!" e a voz explode ao colidir com o ar. "Não é fuga!" e há vertigem na frase. "Fuga... fuga... fu...", a repetição amolece a idéia e torna-a mais fácil de ser compreendida... é fuga, quem sabe?
Fuga de mim mesmo, de um futuro que tentei não construir, de um clímax calculado e do épico envolto pelo manto da morte.
Chego à orla da praia. À frente, o mar - turvo, misterioso, entorpecente, convidativo. Atrás, as pegadas - fantasmas, estúpidas, eternas, cacos de vida. Sorrio... irônico da minha situação; chuto uma porção generosa de areia e cada grão reflete o sol - faz tempo que não olho para o céu. Hoje, está sem-graça: não há nuvens, assim como ontem à noite não havia estrelas. Entro na água, a qual engole meus pés... pernas... braços... depois, num momento sublime, percebo-me todo imergido e aprecio a idéia de não saber nadar.
É só uma questão de segundos para romper o meu cordão umbilical com a vida. Como sempre ouvi falar, as lembranças chegam (aos montes) e afundo cada vez mais - na água e na nostalgia. Falta o ar, chega a agonia de saber que não há volta... bato os braças e as pernas descompassadamente, engulo cada vez mais água. Vejo, em flashes, a noite passada e a covardia me empurra para baixo.
Começam os delírios.
Uma sereia, uns familiares, um ídolo da infância... um salva-vidas (um salva-vidas?) - nadando em minha direção, segurando meus braços, colocando minha cabeça para fora das ondas. Uma rajada de ar infla meus pulmões; respiro vagarosamente, sem motivos para voltar à realidade.
Estou vivo... se pudesse, escolheria a morte covarde - não posso mais. Resta-me o inevitável: uma nova chance de enfrentar as pegadas eternas da minha vida.
Um comentário:
Mais um texto excelente...estou adorando esta seção, parabéns!
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