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quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Através do espelho obscuro, capítulo 39


Foto: Guilherme Carnaúba

por Tuma

“ Ferdinando, meu novo irmão,

Eu acredito que todas as coisas acontecem por um motivo. Não vejo sentido no acaso e na indiferença: para mim, tudo está interligado, cada coisa que nos acontece é parte de uma cadeia de eventos que nos leva até o nosso destino.

A morte de Ernest, nesse caso, é o último dos eventos de uma cadeia que começou com a sua chegada aqui em Miranda. Naquele dia, quase dez dias atrás, eu pensara em meu irmão o dia todo. Sempre foi comum, para mim, pensar nele, e aquele era um dos dias em que eu pensava mais no assunto.

A tarde caía, e, de repente, você apareceu, cambaleando, conversando com Kaspar Hauser, desmaiando. Então eu e os policiais fomos até você, o ajudamos, o trouxemos até minha casa. Talvez por eu estar pensando o dia todo no meu irmão, achei você muito parecido com ele. Um pouco triste e confuso, acabei passando a noite toda em vigília, ao seu lado.

Depois, dei a você o nome dele, e acabamos nos tornando amigos. Eu achava que aquilo poderia durar para sempre, você fazendo as vezes de meu irmão e tudo o mais. Mas eu estava enganado. Aquilo, por melhor que possa ter sido, era só uma ilusão. A morte de Kaspar Hauser me mostrou isso.

Desde que eu nasci, ele mora na fonte ali em frente. Desde que eu era só uma criança ele povoava minha imaginação com sua aparência e seus mistérios. Nunca cheguei a conversar com ele, nem nada, mas sabia que ele estava ali. E de repente ele morreu.

Assim, de uma hora pra outra, alguém enfiou uma adaga no peito dele e fez aquela figura que me acompanhara a vida toda, que sempre me parecera tão sólida, desaparecer. Desde o primeiro momento que eu soube, fiquei apreensivo: se mesmo algo que era tão sólido, uma presença tão natural como a dele, corria o risco de sumir de repente, imagine as coisas menos sólidas, menos certas.

E, como se não fosse o bastante para a minha cabeça, veio a morte de Ernest. Agora, o ciclo estava completo. Vem você, para me deixar na lembrança, constantemente, a imagem do meu irmão. E então, as duas figuras mais míticas, mais eternas que eu jamais conheci desaparecem. Um deles, aquele que foi como um pai para mim, e o outro, como uma montanha que a gente sempre vê quando abre a janela do quarto pela manhã. Os dois, levados de uma hora para a outra pelo tempo.

Isso, para mim, só pode ser um sinal. Eu estava cultivando uma ilusão, ao achar que você poderia substituir meu irmão. Veja, não é nada contra você, você foi ótimo, você é uma ótima pessoa, mas eu simplesmente não posso continuar com isso. Eu preciso ir atrás de algo mais verdadeiro, mais perene.

Deixo essa carta, porque não tenho coragem de conversar cara a cara com você. Mas é para isso: para dizer que agora eu vou perseguir os resquícios do meu irmão. As pessoas que ele conheceu em suas viagens, os lugares onde ele viveu. Mesmo que ele não esteja mesmo vivo (já não alimento mais essa ilusão, tampouco), eu vou atrás de algo que possa, de alguma maneira, trazê-lo à vida.

Meu advogado vai te procurar, meu novo irmão, eu não vou te deixar sem nada para continuar. E você aprende muito rápido, tenho certeza de que vai construir uma vida aqui, de que vai se tornar um homem bom e respeitado. Se algum dia nos encontrarmos novamente, conversaremos sobre tudo. Se não, reze para que eu encontre a paz.

Com carinho,

Antonio Nápoles.”
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