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segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Através do espelho obscuro, capítulo 46


Foto: Bruna Pimenta

por Tuma

Um dia, o gato desapareceu. Sabine tinha já sete anos, e se afeiçoara muito ao animal. Chorava muito alto, pedindo a presença dele, e Ferdinando, com a ajuda da mulher e de alguns amigos, o procurava pela cidade. Já era noite quando, esgotado de tanto procurar, Ferdinando sentou no quintal com uma garrafa de cerveja para relaxar, e sentiu um cheiro ruim. Conferiu o lixo, o armário de ferramentas, os arbustos, mas não era nada. Então, notou uma caixa, repousando perto da cerca de madeira. Ele não se lembrava daquela caixa estar ali, mas foi decidido até ela ver se era aquilo a fonte do mau cheiro. Quando a abriu, descobriu: o gato, morto, ali dentro. Sem mais dúvidas, ele pensou, agora Sabine choraria muito. E o fez.

Depois, celebraram um velório para o animal, com a presença de amigos da filha e vizinhos. Ferdinando cavou um buraco no quintal, a filha colocou o animal, embrulhado em um lençol, lá dentro, e após fecharem o buraco a menina falou algumas palavras de despedida. Então, Miranda levou as crianças para comer algo, os vizinhos acompanharam-na, e Ferdinando ficou, sozinho e quieto, ao lado da cova.

Lembrava-se bem de como recebera o gato. Ele via, nítidos, o traços do rosto de Ernest Schrödinger se movendo enquanto o velho mordomo falava de como passara o gato para Kaspar Hauser, o mendigo louco. E então, sem aviso, esse mesmo mordomo legara a ele, o pobre tolo sem-memória, Ferdinando, o encargo de cuidar do gato e – isso lhe caiu no estômago com um estrondo – de Nino.

Até então, por todos esses anos em que vivera com sua esposa e sua filha, Ferdinando tratara a ausência de Nino com uma lógica que lhe parecia extremamente coerente. Ele não pudera impedir Nino de ir embora, e o órfão dera ordens explícitas para não ser seguido. Ferdinando não tinha culpa, não havia falhado em sua missão, seu sacrifício. Uma certeza o habitava, a certeza de que Nino estava bem.

O gato morreu, porém, e todas as suas certezas, de uma hora para a outra, se viam varridas, feitas em pó. Que garantias havia de que uma desgraça não houvesse acometido também Nino? Que garantias havia de que ele não estava agora trancado dentro de uma caixa velha, morto e fedendo?

O coração de Ferdinando, que durante tanto tempo flutuara no ar, agora era puxado para a terra por garras, e um peso se abatia sobre todo o seu corpo, deixando-o indefeso e sem saber o que fazer.
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Um comentário:

João G. Viana/Pudim disse...

Ótimo! Encheu-me de expectativa de novo!
Continua brilhante, Tuma, estou ansioso para ver mais!
Eu acho que acabamos de passar metade, e é bom saber que ainda há muito pela frente.
Quando acabar, não sei o que será da minha vida xD
E, obviamente, a história está primorosamente bem contada...