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sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Antes do embarque.

por Stefano Manzolli.

- Mariana Berccillo, há tanta coisa pra falar, mas me falta tempo: meu vôo partirá em vinte minutos. Eu tenho poucos créditos no celular e não quero comprar um cartão para usar num telefone-público. Você não pode me ligar, pois não sabe meu novo número, roubaram o meu outro celular. Droga, há tanto pra falar, mas não tenho tempo pra dizê-las. Poderia começar agora, mas de certo não terminaria, são muitas coisas e você não as aceitaria sem contestar primeiro. Será que não há um outro jeito de fazer isso? Uma carta, quem sabe, mas você não me disse onde está morando.
- Olha,...
- Não! Não fale nada, não temos tempo pra perder com conversas tolas, há assuntos pendentes para serem resolvidos, antes que eu embarque naquele avião rumo Pequim, por causa da minha promoção da empresa, e suma da sua vida sem você nem notar.
- É que...
- Não! Não conteste nada, me escute, apenas. Eu preciso dizer o que, por tantos anos de namoro, eu não consegui. Droga, eu ensaiei um discurso tão bonito, só que não há tempo pra palavras bonitas. No fundo, o negócio é o seguinte: depois de você, eu não consegui amar nenhuma outra mulher, o seu rosto ainda me persegue, seus cabelos loiros ainda fustigam meus olhos, nos meus sonhos e pensamentos está uma existência sua. Meu amor, eu estou disposto a recomeçar, a mudar meus erros e tentar, de uma vez por todas, ser seu príncipe encantado. Depois de tudo, antes de muitas outras coisas boas, você quer se casar comigo?
- M...

A ligação caiu.
Os créditos acabaram.
A bateria acabou.
Ele jogou o celular no lixo.

Ele embarcou rumo à China, sem saber o que ela tentou responder pelo telefone e, depois de um tempo no novo país, resolveu esquecer esse passado e começar um novo romance. Amou um chinesa meio feia, mas muito rica. Viveu um romance bonito, cheio de pormenores, teve dois filhos inteligentes e faleceu de mãos dadas com o amor de sua vida - numa manhã cheirosa, enquanto as cerejeiras abriam suas flores.

*** *** ***

Já faz uns anos que essa história aconteceu e, por todo esse tempo, guardei comigo a resposta que ele receberia. Não, não era para eu ter escutado, mas narradores geralmente sabem mais do que devem, ouvem mais do que podem e vivem mais do que desejam. Foi por um tremendo acaso que, naquela tarde, resolvi contar essa história.

Caso vocês não saibam, narradores têm uma estranha existência, como nuvem em dia de sol: permanecem, o dia inteiro, estampados no céu, observando as pessoas-formiga seguindo suas vidas normalmente. Hora ou outra, podemos nos focar em apenas um indivíduo e acompanhá-lo (por minutos, horas, dias, anos); e todo enredo que é observado, sai impresso em folhas de papel, mesmo sem nosso consentimento.

Como eu adoro personagens tristes, estava dando uma volta pelo aeroporto - em busca de esposas chorando pelo marido que vai embora, crianças abraçando o pai, namorados dando um último beijo. Entre bagagens, sapatos sujos, azulejos cinzas, vi Robson sentado no chão. O celular, acomodado confortavelmente em seu colo, era brinquedo para os dedos fugazes.
Brincava de ligar e desligar;
abrir e fechar;
digitar e apagar.

A barba por fazer e olheiras imensas, junto aos olhos cabisbaixos, davam-lhe um estranho ar de loucura, medo, solidão. Tirando suas roupas de marca, poderia ser confundido com um mendigo qualquer. Encontrei beleza naquele caos de sentimentos entupidos numa alma aflita.
Ele chorou.
Por dois minutos inteiros, ele chorou.
Como uma criança perdida, ele chorou.
No meio de uma multidão, ele chorou.
Mas ninguém perguntou porquê.

Senti um nó de escoteiro na minha garganta, o ar passava com muita dificuldade. Queria chorar também, mas resisti e guardei as lágrimas nos espaços mal-remendados do meu coração. Queria roubar aquela tristeza e, em seu lugar, doar-lhe uma felicidade maior que o mundo.

Angustiado, trocando frases por palavras, pedia para alguém ajudá-lo, mas nessa existência como narrador, sou mudo para os humanos. Nós, que vivemos sobre suas cabeças, sabemos todas as respostas, perguntas e, mais ou menos, os desfechos; o problema está em vocês: tão cheios de prepotência que anulam os livros, os textos, os sussurros trazidos no vento, as vozes ecoadas dentro da caverna, os fantasmas da noite, de suas vidas. Ninguém pára para nos ouvir.
Ninguém me ouvia, naquela tarde.
Robson não queria me ouvir, naquela tarde.
Amaldiçoei essa minha trágica condição, naquela tarde.
Rouco e angustiado, apenas observei meu protagonista fazer as escolhas erradas.

Levantou-se, respirou fundo.
Olhou no relógio.
Faltava pouco tempo para o embarque.
Resolveu ligar.
Começou a digitar o número de cabeça.
Uma criança, meio descoordenada, esbarrou em suas pernas.
- Desculpa, tio.
- Não foi nada.
- Desculpa, moço, esse meu filho não pára!
- Não foi nada.
O menino e sua mãe foram embora, Robson não.
Ainda digitava o número de cabeça.
Quando a outra pessoa atendeu, desatou a falar, falar e falar.
Falou tanto que não deu tempo para escutar a resposta.

Chegou o momento de revelar esse segredo. Assim que a ligação ficou muda, ninguém pôde escutar as piores palavras daquela tarde, as quais estão gravadas em minha mente até hoje:

- O senhor ligou para o número errado.

Foto por Bruna Pimenta

6 comentários:

Unknown disse...

particularmente eu gostei demais, mesmo. acho que é um dos seus que eu mais gostei. :)

João G. Viana/Pudim disse...

ahsoAIUHSaiouhsAOISUha
Que da hora, como todos os outros posts do blog..

Nicole. disse...

MUITO bom!
Triste, mas é assim a vida na maioria das vezes.
Sou aluna da Tati, ela falou do blog de vocês lá no galleria.


:}

Unknown disse...

Você escreve diferente de todas as pessoas, as quais li até hoje.
Não sei, mas a forma como você descreve tem um "quê" a mais. Gostei muito do seu texto.
As pessoas, em geral, deveriam parar para ouvir umas às outras.
Todos querem ser ouvidos, mas não querem ouvir. Muitas vezes, julgando ser mais importante o que têm a dizer.
;*
Dani (da sua sala) ^^

Ri Alto disse...

Você é tão romantico =)

Unknown disse...

O tefo vocÊ escrevendo não tem igual!
Sem mais!