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sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Através do espelho obscuro, capítulo 10


Foto: Guilherme Carnaúba

por Tuma

O balconista parou de assoviar. Aprumou-se no banco do motorista e virou parcialmente o rosto para João.

- Ei, companheiro – ele disse -, nós aqui em Miranda não gostamos muito desse assunto. Essa história de que a última faixa do Through a Glass desapareceu de algum jeito é uma mentira inventada pelos conspiradores malditos, que não aceitam o fato de Ike e Hip terem...

Enquanto falava, o rosto furioso de Hartman saía de foco aos olhos de João. Os movimentos que a boca do balconista fazia para expressar sua eloqüência nervosa apareciam turvos, lentos, uma mancha de cor indefinida se expandindo no borrão branco que era o rosto dele. Seus olhos desapareciam como buracos e reapareciam como luzes, e por vezes até uma de suas mãos saía do volante e apontava, inconstante, para o rosto impassível de João.

As palavras que o outro proferia pareciam aos seus ouvidos ecos do silêncio, um grave ruído como aquele que mora dentro das conchas do mar. Em seu lugar, o que João ouvia, cada vez mais alto, eram os versos cantados por Morf Honey-Roy na música que saía das caixas de som e se espalhava pelo carro como tinta jogada no ar. Mister Sandman, bring me a dream, ele ouvia, make him the cutest that i’ve ever seem, e os versos tornavam a se repetir, adquirindo distorções e tons doentios. Bring me a dream, bring me a dream, bring me a dream...

Antes que João conseguisse alcançar as orelhas com as mãos que até elas levava, o som da música foi cortado por um outro muito mais alto e assustador. O rumor de alguém buzinando desesperadamente enquanto invadia a luz que os faróis do chevette azul jogavam na estrada, seguido pelo ruído de vidro se quebrando e da espinha de alguém se partindo, todos esses barulhos interromperam a voz de Morf, que sumiu na noite, e a voz de Hartman, que se calou, e os pensamentos de João, que sem que ele percebesse começaram a escorrer para fora enquanto seus olhos se apagavam, deixando residual na memória a imagem de dois carros estraçalhados um contra o outro pela força de seus motores.
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Um comentário:

João G. Viana/Pudim disse...

=O
O que será de nós?
Tuma, vc está nos deixando muito curiosos