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quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Lágrimas de chuva.

por Stefano Manzolli

Chovia forte, era uma destas tempestades de verão. Como de costume, eu havia esquecido meu guarda-chuva em casa. As gotas violentas molhavam toda a minha roupa, podia senti-las como pequenas bolas de fogo - ardiam ao encostar em minha pele.

Parecendo um competidor de maratonas, corri desesperadamente. Em vão, é claro. Nessas horas, quando você precisa muito de alguma coisa, a lei de Murphy parece a maior de todas as verdades: nada dá certo. Corri, corri, corri, mas não cheguei a lugar nenhum. Via as vitrines trancadas, as portas fechadas e nenhuma alma viva - era um típico fim de domingo.

As ruas pareciam compor um gigante labirinto cinza. As árvores, sem flores e folhas, grandes monstros dos sonhos infantis. Elas me observavam, invocando as angústias da minha infância. Em cada esquina, via surgir os fantasmas quase esquecidos de minha memória. Minhas pernas tremiam de frio, cansaço e medo - um medo ingênuo das ínfimas labaredas que jorravam das nuvens.

Podia escutar um canto longínquo ecoado pelo vento: vozes ancestrais cravando dúvidas na minha estúpida razão, lapidada pelos livros teóricos de Thomas More e Friedrich Nietzsche. Participava de duas lutas: uma era visível, mas a outra estava oculta dentro dos meus olhos molhados e partidos.

Chovia forte ainda.

Cada pedra portuguesa segurava meus pés, a fim de aumentar o sofrimento da minha alma. A solidão era minha única companheira - dançávamos o minueto dos deuses, enquanto gemia trovões de Zeus e eu caía sobre meus movimentos brutos e pouco ensaiados.

De repente, avistei uma menina sozinha, entre uma lixeira e uma casa, vestida por um guarda-chuva. Seus cabelos loiros e o vestido azul claro contrastavam com a opaca realidade. Parecia um anjo sem suas asas de plumas ou coroa brilhante.

Aproximei-me.
Ela não notou meus sapatos encharcados.
Estava concentrada vendo reflexos turvos em uma poça suja.
Agachei ao seu lado.

Chovia forte ainda.

- Ei, menina!
- Oi, seu moço.
- Onde eu consigo um desses aí?
- Um guarda-chuva? Estava por aí e eu peguei.
- Ah, sim. Digamos que você roubou, então.
- É, pode ser isso sim.

Abriu um sorriso irônico e, depois, uma risada gostosa.
Seus olhos tinham um brilho lindo.
Sua boca não tinha dois dentes-de-leite.

- E está fazendo o quê, aqui, sentada sozinha?
- Estou esperando.
- Quem?
- Meu pai.

Guardou a risada e toda aquela alegria.
Parecia ser muito mais velha agora.
Procurou palavras de consolo, mas o vento estava quieto.
Costurou uma porção de lágrimas dentro do bolso-coração.
E tentou sorrir, mas seu sorriso não estava mais tão bonito.

- E ele volta quando? Daqui a pouco?
- Não volta. Nem hoje, nem amanhã, nem nunca. Minha mãe, às vezes, me diz que ele está numa viagem de negócios, mas eu sei que ele foi morar com meus avós... lá no céu. Minha professora disse que depois da morte, a gente vira estrela, mas eu sei que é mentira. Tenho certeza que meu pai tá lá em cima me observando.

Chovia forte ainda.

As minhas palavras desgovernadas calavam quentes dentro da boca. Eu, com o triplo da idade daquela garota, sofria por bobeiras da meninice; mas ela, tão frágil e meiga, sorria em meio a tempestade.

- Como você sabe disso?
- Posso te contar um negócio, seu moço?
- Pode.

Com um gesto doce, pediu que eu chegasse mais perto.
Jorrou a mais linda verdade dentro do meu ouvido.

- Eu sei que meu pai tá aqui, porque nos dias mais feios do mundo, quando a vida parece cor de sapato velho e o nosso coração, bater menos sentimentos; ele chora um montão de lágrimas pra dizer que está com saudade de mim. Não conta pra ninguém, seu moço: esse é o nosso segredo. Você precisa ir embora, minha mãe não gosta que eu converse com estranhos. Ela nem sabe que eu estou aqui fora.

Fechou os olhos, o coração, a alma, o sorriso.
Voltou a procurar reflexos turvos na poça suja.

- Pode deixar... esse é o nosso... segredo.

Fui embora, com um segredo debaixo do braço e um guarda-chuva de sentimentos lindos sobre meus cabelos molhados. As lágrimas fingiam ser gotas de paz e banhavam meu corpo, minha alma, minha consciência torpe.

Chovia forte ainda.

Foto por Bruna Pimenta

7 comentários:

Anônimo disse...

Com certeza o texto mais bonito que você escreveu até hoje!
Está chovendo.
E esse segundo parágrafo me descreve perfeitamente hoje!

Me avisa quando lançar o seu livro... que como você disse era o que gostaria de estar fazendo nesse momento, neh?!

Marília

ﯜǿҜєЯร™.Lucas.. disse...

"Lágrimas e chuva
Molham o vidro da janela
Mas ninguém me vê
O mundo é muito injusto
Eu dou plantão nos meus problemas
Que eu quero esquecer"

Unknown disse...

cada vez me surpreendendo mais, né moreno? ficou lindo. :)

João G. Viana/Pudim disse...

Ficou demais, Tefo, parabéns!

Tuma disse...

Puta que pariu Stéfano, não faz isso não cara, hahahahaha. Fiquei tremendo aqui, muito BOM!

Unknown disse...

Obrigado, gente :)

Abraços,
Stefano.

Anônimo disse...

Parabéns!
Mtoo bom!
adorei esse paragrafo!

''Podia escutar um canto longínquo ecoado pelo vento: vozes ancestrais cravando dúvidas na minha estúpida razão, lapidada pelos livros teóricos de Thomas More e Friedrich Nietzsche. Participava de duas lutas: uma era visível, mas a outra estava oculta dentro dos meus olhos molhados e partidos.''

que seus textos continuem transmitindo esse sentimento para os leitores!

td d bom!
parabéns novamente