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segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Através do espelho obscuro, capítulos 15 e 16


Foto: Guilherme Carnaúba

por Tuma

A tarde já se aproximava do fim, cortejando despojada a noite elegante, quando João chegou a Miranda. A cidade repousava num aprazível ar levemente abafado. Logo onde terminava o mato e começavam os jardins, casas de aspecto suburbano sucediam umas às outras, dando as boas vindas para o visitante. O corredor formado pela seqüência de cercas brancas, arbustos coloridos e o asfalto incolor seguia acolhedor até uma pequena praça, onde pessoas passeavam.

Desde que entrara na cidade, João vinha caminhando lentamente, olhando arredio para as casas que se repetiam. Dava passos duvidosos, ainda confuso por não conseguir lembrar de nada. Quando chegou à praça, porém, estacou. Ficou parado na última esquina depois das casas, como se, subitamente, algo lhe tivesse vindo à cabeça, impedindo-o de seguir.

De onde estava, olhava inseguro para todos os lados, tentando reconhecer algo naquele lugar. Sentira uma força dentro de si o levando até lá, e queria descobrir o que fora. No centro da praça, uma fonte de aspecto antigo deixava escorrer suavemente finíssimos filetes de água. Ao seu redor, os transeuntes passeavam reverentes, como que orbitando a velha construção.

Sentada na fonte, uma figura curvada, de aspecto mendicante, mexia em algo com as mãos. Do seu lado, repousando ligeiro, um gato preto gordo mexia somente os olhos para encarar o ambiente. Próximos a uma casa grande e bonita do outro lado da praça, dois homens, com jeito de policiais, conversavam com um jovem magro e comprido. Além deles, dois ou três casais também caminhavam, braços dados, olhando e apontando para o céu.

Indeciso, ainda, sobre o que fazer, João deu o primeiro passo para fora da calçada, e entrou na praça.
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Após dar o primeiro passo, os outros seguiram naturalmente. João já caminhava com calma, indeciso ainda, porém, sobre que caminho tomar. Seu aspecto não era de fato, dos melhores. À medida que ele zanzava para um lado e para o outro, um dos casais notou seu aspecto estranho: as roupas sujas e rasgadas, o sangue seco na cabeça...

O rapaz fez um gesto que pareceu a João uma tentativa de ir em sua direção, mas a namorada o puxou. Ele deixou-se levar, os dois foram embora por uma rua lateral, e João voltou-se novamente para a fonte. Encarou o mendigo e o gato por algum tempo, mas depois começou a caminhar até eles decidido.

Quando os alcançou, porém, nenhum dos dois deu sinal de tê-lo notado. O mendigo continuava mexendo com algo em suas mãos (a João pareceu um saco de papel) e o gato se imobilizara por completo. Talvez por algum grunhido que João fizera, ou pela sombra que seu corpo projetava sobre o chão, o mendigo finalmente o notou. Primeiro, fechou o saco (era um saco mesmo) que estivera em suas mãos, e depois levantou os olhos lentamente. Seu rosto não era tão sujo quando João pensara que fosse. Os cabelos iam até os ombros, e a barba, embora não perfeitamente feita, também não estava desgrenhada. Suas roupas, por outro lado, eram farrapos longos que entravam na água da fonte e se arrastavam pelo chão. Antes, contudo, que pudesse notar todas essas coisas, João viu-se interpelado pelo mendigo, que deu um sorriso suave e disse, bem alto e claramente:

- Kaspar Hauser, muito prazer.
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