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segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Mulheres de Atenas.

Foto por Bruna Pimenta



por Stefano Manzolli.

A luz, que ofuscava os olhos marejados, apaga-se. É um quarto bonito, cheio de pequenas porções de vida: a bailarina que dança dentro da caixinha de música, os garotos de porcelana que sorriem, a foto do casal amável no porta-retrato sobre a mesa de canto, a frágil Stela que inunda o travesseiro com suas lágrimas.

No breu calado da noite, as cigarras gemem prazeres e existências curtas, enquanto as poucas nuvens brincam de se entrelaçar.

- Calem-se! Morram, cigarras! Morram! Me deixem só! - grita a mulher; as palavras, porém, saem misturadas aos soluços histéricos de seu choro, criando uivos melancólicos.

O quarto ecoa todos os seus sons.

Ao longe, quando colidem e tornam-se apenas uma harmonia, Afrodite toca lira e banha-se nua numa cachoeira límpida. Em seus olhos azuis reside uma tristeza profunda: a morte de um semi-deus amado. Sua voz soprana encanta todos os animais da floresta, os quais juntam-se sobre as pedras para escutá-la.

As pequenas cigarras gemem prazeres e existências curtas, enquanto as lindas nuvens de verão brincam de formar corpos entrelaçados.

- Cantem! Cantem, cigarras! Cantem! Não me deixem só! - Afrodite chora e seus soluços são tão solenes que dão poder à sua voz.

A deusa compõe o seu minueto mais bonito, enquanto dois cortejos voltam para suas casas em outras estradas: um em São Paulo, outro no Monte Olimpo. O semi-deus trajando vestes de guerra está sepultado em cova rasa; o marido de Stela vestindo seu terno mais bonito, em cova cara e de família.

A mulher, nesse planeta de injustiças, não sabe tocar harpa, nem lira, nem flauta, muito menos piano. Não sabe cantar, não gosta de falar em público. Sozinha, no escuro de sua casa, dilacera sua alma em gritos e frases de amor. Os animais da floresta não vêm para abraçá-la, mas as cigarras cantam.

Ah, as cigarras sempre cantam!

- Calem-se!
- Cantem!
- Me deixem só!
- Não me deixem só!
- Por favor,
- Eu imploro:
- Volta, Hélio!
- Volta, Aquiles!
- A vida,
- Sozinha aqui,
- Não tem sentido...
- Não tem sentido...

Elas clamam pela volta dos amados, mas não há regresso. Hades carrega o herói; a noite profunda das pálpebras, o homem de negócios. Há, no entanto, silêncio sepulcral nas almas e agulhadas periódicas dentro dos corações quebrados.

Existe, também, uma vontade sufocante de fazer tudo diferente. Uma sensação de que, caso fosse possível voltar no tempo, ambas as tragédias seriam evitadas. Como se uma força mágica pudesse desviar o caminhão desgovernado ou, então, fazer aquela flecha envenenada não ultrapassar o corpo do jovem guerreiro.

Mas não pode-se fazer nada. Além de derramar lágrimas (muitas, muitas, muitas lágrimas).

A voz suave e melancólica de Afrodite, ao descer para a Terra, difunde-se com outros timbres, inunda o quarto escuro (através do rádio) e chega aos ouvidos de Stela. "Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas", "As jovens viúvas marcadas não fazem cenas, vestem-se de negro, se encolhem, se conformam e se recolhem às suas novenas serenas" são lamentos da canção.

A voz suave e melancólica de Chico Buarque, ao subir para o Monte Olimpo, reparte-se: a metade mais carregada de sentimentos cola aos olhos de Afrodite. O restante vira palavras de consolo proferidas por Zeus. "Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas", "Quando fustigadas não choram, se ajoelham, pedem, imploram mais duras penas - cadenas" são lamentos do deus (de barba grisalha, cabelos ralos e voz severa).

Faz doze anos que, por causa da carreira acadêmica, Stela saiu da Grécia para estudar no Brasil. Faz cento e trinta e dois meses que, por causa de um amor frenético de verão, Stela casou com Hélio. Faz vinte e três horas que, por causa de um acidente terrível, Stela perdeu vontade em viver.

Agora, as suas lágrimas inundam o travesseiro e o sangue de seus pulsos, toda a noite com sua cor vibrante. Será demais suportar uma existência solitária, ela não está preparada para ser viúva. A imagem do rosto transfigurado do marido ainda aparece embaralhado aos seus pensamentos.

As cigarras param de cantar.
Os soluços histéricos cessam.
O corpo parece imerso em gelo.

- Cantem, cigarras... cantem... não me deixem só...

Depois de tanto, Stela está voltando para Atenas e irá deitar-se no colo amigável de Afrodite. As duas, mãos dadas e sorrisos graciosos, irão compartilhar suas desilusões amorosas. Quando cansadas do passado, amarão outros titãs, deuses e figuras mitológicas. Se entediadas, tocarão minuetos lindos para as mulheres desesperadas. Na Terra, porém, haverá sempre uma canção em choro de cigarra, tragédias gregas e um conselho a ser ouvido: mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas.

5 comentários:

João G. Viana/Pudim disse...

Tefo, o Grande

Tuma disse...

Fascinante stéfano, muito bonito o texto

Anônimo disse...

Grande texto. Me impressiono com sua habilidade em usar palavras específicas e pouco usuais para descrever as cenas, isso realmente acrescenta vida às suas histórias! Repito que não duvido que você tem grande chance de fazer sucesso caso siga a carreira de escritor.

Érico
Anglo Americana

tati fadel disse...

tá bom, tenho que admitir: você é brilhantíssimo.

Anônimo disse...

Meu muito obrigado a todos que leram e a vocês que comentaram.

Grande abraço,
Stefano. :)