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terça-feira, 25 de novembro de 2008

Ma vie, en trois parties.

Foto por Bruna Pimenta.



por Stefano Manzolli.

La première partie:

Quando nasci, não veio um anjo torto decretar que eu estava predestinado a ser gauche na vida. Veio, no entanto, uma enfermeira graciosa dizer a minha mãe que nascera um menino. "Dá-me cá! Quero vê-lo!", exausta e molhada de suor, a doce mulher queria, apenas, sentir o calor vivo de seu filho.

Olhos um pouco juntos, cabelos ralos, pele coberta por um resto de líquido amniótico: assim era eu, após ser expelido da não-casa orgânica, na qual fui gerado. Claro, mamãe achou-me lindo, beijou minha testa melada e amou-me. Eu, apenas pérolas negras em olhos grandes, observava-a e adormeci no calor confortante de seus braços.

Meu pai, meu irmão, uma porção de roupas, um tanto de amigos, dois anos mamando - assim vivi o primeiro ato desse meu teatro-vida. Depois, quatro anos depois, resolveram lustrar meu cérebro com as lições e aulas: a escola acolheu minha criatividade, fez germinar outras curiosidades minhas, construiu um cidadão, um herói, um homem, um qualquer, um supremo, um escritor, um sonhador, um risonho, diversas porções minhas inacabadas.

Há pouco tempo, cinema, shopping e essa vontade imensa que o futuro chegue logo - mas que o passado não parta jamais. Faço, então, do presente a mistura perfeita entre os espelhos do ontem e os pergaminhos em branco do amanhã.

Os outros, quando querem, me chamam pelo nome e suas desinências.

La deuxième partie:

Debaixo do chuveiro, um garoto inventa discursos, lembra poemas, tem idéias, chora os lamentos passados, escreve nos cantos embaçados tais-e-quais palavras, cria perfeições. O menino, divertindo-se com seus heterônimos esquizofrênicos, ao olhar fixamente para a lâmpada acesa, revela sua verdadeira identidade: sou eu.

Não há estrelas no céu, um manto cor-de-veludo-escuro encobre toda a luminosidade emanada dos corpos luminosos. A lua, nova, coitada, nua, fria e solitária, até canta... sua voz é pouca e nem chega aos ouvidos humanos.

Eu, porém, repartido e ímpar na carapaça de gente, tento encontrá-la. Quero (e muito!) pô-la dentro do bolso, a fim de presentear a garota amada... não tenho bolsos... não tenho garota amada... estou sozinho e nu. A água ainda cai e sinto uma vontade estranha de falar um palavrão (em outra língua). Como não sei outros idiomas, basto-me com o meu antigo conhecido Português.

Dentro do banheiro, com a porta fechada e a mente aberta, não tenho nome... ninguém me conhece: nem eu, nem todos os outros inventados.

La troisième partie:

Calor. Janela aberta. Corpo semi-nu estirado na cama. Livros guardados cuidadosamente nas estantes. Poesia completa de Alberto Caeiro aberto sobre o colo. Mãos fugazes viram as páginas. Xiiiu... venha ver essa cena, mas entre sem fazer barulho. Vamos, se aproxime! Não mandei tirar os sapatos? Por favor, faça silêncio, escute o poema.

As estrofes saem sussurradas dos lábios trêmulos do garoto. Um pernilongo pousa sobre a perna desnuda e faz sua última refeição antes de colidir solenemente com a palma de alguma mão. Está esperando o que para ir lá matá-lo? Sem fazer barulho! Não, não encosta nele, deixe-o ler! Saia daqui, basta de intruso. Como assim? Você quer escutar mais uma poesia? Fique calado, então. Só mais uma e você vai embora, combinado?

Cada palavra inundam o quarto, os ouvidos, os corações; depois, cansadas, fogem rapidinho pela janela aberta. Vez ou outra encontram-se com vaga-lumes, levam um baita susto e voltam correndo para o cômodo iluminado artificialmente. Essas que voltam, transformam-se em ecos... machucam os ouvidos cheios de sofrimento.

O poema acaba. O menino fecha o livro. Coloca a coberta sobre o corpo. Ajeita os travesseiros. Recosta a cabeça neles. Dois receosos dedos apagam a luz. Xiiiu... está na hora de ir embora. Você quer fazer uma pergunta? Faça-a, talvez não tenha a resposta. Quem é o garoto? Hum... hã... hen... sou eu.

Cara-de-mil-vergonhas.

Meu nome? Não, isso não é importante. Vá embora, agora! Deu sua hora, o show acabou.

Passos vagos na escuridão.

Ei! Psiiiu... quer escutar um segredo? Pois bem, por essas bandas do Sudoeste, eu não tenho nome. Me chamam, apenas, de guardador de sentimentos. Gostei de você, me espere, estou indo embora também.

Boa noite, digo... durma bem, guardador de sentimentos, respondo.

Dois corpos viram sombras, depois desaparecem na eternidade.

2 comentários:

Nós mesmos disse...

* tudo é verdade, exceto aquilo que foi inventado :)

abraço, Stefano.

João G. Viana/Pudim disse...

...exatamente como previ