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segunda-feira, 3 de novembro de 2008

O amor em quatro vozes.

por Stefano Manzolli

O café esfriava em cima da mesa.

Jorge observava a fumaça quente percorrer suas bochechas, seus óculos e, algum tempo depois, se dissipar rente ao teto. Ao lado da xícara, um livreto de Fernando Pessoa era um convite para mergulhar no incrível mundo de Alberto Caeiro.

Tomou outro gole de café e poesia.
Queria aquecer a alma e aquietar o coração.
Apressadamente, lia versos pela metade e virava as páginas.
Buscava um poema que calasse a voz presa aos seus pensamentos.

Aos poucos, perdido em palavras, inventou seus próprios heterônimos. Criava diversas máscaras para seu ego velho e conhecido; era e deixava de ser diversas pessoas ao mesmo tempo. Entretido pela loucura, viu surgiu Fernando Márquez, Augusto de Moraes, Gabriel Verissimo. Numa velocidade frenética, descobriu grandes histórias para cada um.

Fernando Márquez desejou Clarice Meireles por quatorze anos e vinte sonhos, mas morreu sozinho em Londres. Comia batata-frita e peixe empanado no horário do almoço. Desenhava corpos entrelaçados nas janelas embaçadas do inverno. Usava as mesmas meias pretas até furar. Lia Conan Doyle e suspirava Carlos Drummond de Andrade antes de dormir.

Augusto de Moraes casou-se muito cedo com uma namorada grávida, Cecília Lispector. Mesmo sem amá-la de verdade, cumpriu sua fidelidade matrimonial. Colecionava carros em miniatura. Era sonâmbulo e adorava lanches na madrugada. Tomava café expresso compulsivamente. Morreu corno, cheio de dívidas e sem conhecer o inebriante mundo dos livros.

Gabriel Verissimo escreveu um romance ruim e, depois de trinta anos de solidão, foi morar num mosteiro italiano. Odiava marrom e rezar, mas gostava das sandálias de couro. Por diversas vezes sentiu vontade de voltar para o Brasil. Não suportava idosas que vinham confessar-lhe os pecados da mocidade. Tinha poucos amigos; em Deus, porém, encontrou uma boa companhia para as refeições.

De todos eles, somente Jorge Salim tocara uma mulher.
Somente ele sentira vontade de amar.
Somente ele vivia nessa realidade estranha chamada vida.
Somente ele conhecera o peso das lágrimas de saudade.
Somente ele sonhava com Carolina - sua maior fonte de desejos.
Somente ele tentava preencher sua existência vazia.

Enfim, depois de tanta procura, achou o tão esperado poema.


O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar de ir vendo tudo.

Mesmo a ausência dela é a uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.

Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.

Recitou para si mesmo todos os versos, enquanto mergulhava no incerto mundo dos sentimentos. Lembrou do sorriso dela, dos gestos. Suportou em seus ombros a fragilidade de estar só e, com a força de nuvens cinzas, chorou uma lágrima de amor sincero.

Foi embora com o livro debaixo do braço e os outros dele voando sobre sua cabeça.


Foto por Bruna Pimenta

3 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom.
Viva Fernando Pessoa!

bjs,
Clara

João G. Viana/Pudim disse...

Não há muito o que dizer. O conto como sempre está ótimo, impressionante. E você está de parabéns... ^^
Viva Fernando Pessoa! [2]

Anônimo disse...

Parabéns, garoto. Você tá no caminho certo... []'s.